A intrusa: um romance quase dispensável


Por compromisso profissional, li em pouco dias o romance A intrusa, de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), numa edição em PDF do site Domínio Público, do MEC. Além de ler a obra devido a sua inclusão na lista de leituras obrigatórias de um vestibular (em cima da hora, diga-se, com pouco tempo para os candidatos se prepararem), tinha curiosidade de conhecer a obra da escritora, tendo em vista elogios de críticos como Wilson Martins e Rodrigo Gurgel. A maioria dos estudiosos de literatura, porém, ignoraram sua existência. Ela não consta em livros essenciais da história da literatura brasileira. Ou seja, não está no cânone literário do nosso país.

Ao ler os dados biográficos de Júlia Lopes de Almeida, destaca-se o fato de ela ter sido uma intelectual influente no final do século XIX, tendo inclusive participado do grupo que discutiu a existência da Academia Brasileira de Letras. Não levou nenhuma cadeira, porém, pelo fato de decidirem seguir o modelo francês e fundar uma instituição exclusivamente masculina. Para o seu lugar, foi o escolhido o próprio marido, o poeta português Filinto de Almeida.
Isso já bastaria, claro, para os adeptos do politicamente correto e as feministas tentarem resgatar a obra da autora. Pesa ainda o fato de constarem no nosso cânone escritores da mesma época que podem ser avaliados como medíocres. Rodrigo Gurgel, em seu livro Esquecidos e Superestimados, cita os exemplos de Adolfo Caminha e Franklin Távora, ressaltando que Júlia Lopes de Almeida não deveria ser esquecida, pelo menos devido ao romance A falecida, analisado pelo crítico, e que ainda não li.

A intrusa, no entanto, traz, no meu ponto de vista, claro, um enredo inverossímil e bobo. Os personagens são patéticos, propositalmente, talvez, porém não me convenceram. No final do século XIX, o advogado Argemiro Cláudio de Menezes é um viúvo que prometeu a esposa, no seu leito de morte, que jamais se casaria com outra mulher. A filha pequena do casal, Maria da Glória, fica com os avós maternos, um barão e uma baronesa, morando numa chácara no subúrbio do Rio de Janeiro e ele só a vê esporadicamente. Na tentativa de se aproximar da menina, decide contratar uma governanta para cuidá-la. Publica um anúncio de jornal, porém impõe uma condição: que ele nunca veja o rosto da contratada. Quem aparece para a entrevista é Alice Galba, com um véu escondendo suas feições. Ela começa a trabalhar rapidamente e agrada ao patrão pelo zelo na administração da casa e pela forma como educa a menina, inclusive modificando seu comportamento mimado. Por outro lado, Alice provoca inveja do empregado negro, Feliciano, que agora não pode mais desviar dinheiro do patrão (a propósito, há estudos que apontam rastros de racismo nas obras da escritora) e principalmente da avó, Luiza, por sentir que a intrusa estava substituindo-a na preferência de sua neta e por medo de que a governanta fizesse o genro quebrar a promessa.

São cansativos os acessos de ciúmes da avó, assim como a apatia do avô, a ingenuidade do protagonista, a mudança brusca de comportamento da menina (influenciada por um discurso moralista e de caridade de Alice), a mudez da governanta e suas escapadas dentro de casa para não ser vista por Argemiro, sem falar do padre Assunção, que vestiu a batina porque perdera seu amor, que no final é revelado ter sido a mulher de Argemiro (apesar de ser previsível o fato desde a metade do romance, assim como é previsível o casamento do advogado e a intrusa).

Quando estava lendo o romance, destaquei alguns trechos e postei nas redes sociais, como costumo fazer quando gosto de alguma coisa. São conselhos de uma personagem que quase salva o romance de torná-lo dispensável (vale destacar ainda como ponto positivo a maestria de Júlia Lopes de Almeida na criação de diálogos, visto que também foi dramaturga). Conhecida como A Pedrosa, tenta a todo custo arrumar um bom casamento para a filha. Em determinada altura, afirma: “– Infelizmente, no mundo só os espertos alcançam bom lugar. Quem não tiver cotovelos, não se meta nas multidões...” E arremata: “– Filhinha, assim como devemos procurar certas relações, devemos evitar outras...”


Acrescento que, assim como devemos procurar ler certos livros, devemos evitar os outros. Talvez A intrusa devesse ser evitado, não fosse a necessidade de pontuar no vestibular.

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