Crônica

Esta crônica obteve Menção Honrosa no 1° Concurso de Crônicas da UNISC, Universidade de Santa Cruz do Sul, e foi publicada na coletânea Unisc, uma trajetória e muitas lembranças, em 2001.

O branco

Era a prova do professor Norberto. Literatura brasileira I. Qualquer movimento em falso e os olhos ágeis do mestre flechavam o desavisado que tentasse colar. A avaliação, sobre o Romantismo, não era difícil, porém, como toda prova bem elaborada, requeria concentração do aluno. O nervosismo, uma vez que era a prova final, ficava evidente na expressão de todos os colegas. Para muitos, um bom cigarro viria a calhar numa hora daquelas. Como não podiam fumar, o professor o fazia por todos, escorado na janela, mas sempre alerta!

Eu não estava conseguindo responder a questão que valia mais pontos. Me deu um branco, o famigerado branco. Você estuda, estuda, chega na hora e... nada. Você fica aflito, meu Deus, eu estudei tanto esta matéria! Relê a prova, vê se alguma questão ou outra resposta refresca sua memória, respira fundo, lê a questão mais uma vez, nada de lembrar, o branco toma conta de você, o papel é branco, a parede é branca, a tela do retroprojetor é branca, o cigarro do Norberto é branco, até o quadro verde fica branco, tudo, tudo, tudo branco...

Calma, calma. Para superar o branco precisamos de calma. Pensava então em alguma coisa positiva. A paz, por exemplo. Não, não, a paz também lembra o branco. Pensei no meu time, o Inter. Suas cores são vermelho e... Não, não. O melhor é voltar os olhos para a prova mesmo.

A agonia começou a crescer quando alguns colegas começaram a sair da sala, cada um mostrando um sorriso branco, pois a prova fora fácil. Era, sem dúvida, no entanto me fugia da mente a questão que poderia me dar uma nota dez.

O professor Norberto acendeu outro cigarro, mais livre agora, já que a sala estava ficando vazia, para olhar pela janela e devanear. Pensava, quem sabe, na sua musa, a Sônia Braga. Eu também, mais precisamente na cor do vestido que ela usava no filme “A moreninha”: branca. O branco, que no casamento significa pureza, para mim era desprezo, nojo, sujeira, qualquer coisa ruim que viesse na cabeça. O branco dentro de mim representava mais o ódio do que a paz. O branco.

O silêncio lembrava o poema de Adelaide Crapsey: (São três/Coisas silenciosas:/A neve que cai...) - olha o branco aí, gente! Os colegas que restaram pareciam ter também problemas em alguma questão, tal o ambiente que reinava na sala. Foi então que uma luz (branca) caiu sobre mim e eu gritei, sob o olhar espantado do professor:

- É Alvares de Azevedo, f. d. p!!!

Comentários

Tonzete Canivete disse…
HAHAHA A crônica fez-me relembrar "bons" momentos; aqueles de agonizar à cadeira. Uma tortura.
Jorcenita disse…
Reli esta crônica algumas vezes...
mas certamente se tivesse que memorizar...daria branco.
Muito Boa!
Cassionei Petry disse…
Shintoni, obrigado. Quando der mando um texto.

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