Texto publicado no jornal Gazeta do Sul, no dia 09/02/2007, caderno Mix.

Travessuras de um romancista

Travessuras da Menina Má (Alfaguara, 302 páginas), de Mario Vargas Llosa, não deve ser lido por quem não conhece seus livros anteriores. Explico: o leitor pode pensar que se trata de apenas mais um best-seller no mercado. Ele possui todos os requisitos básicos dos enlatados norte-americanos: uma história de amor e traição, cortes rápidos de cenas em uma narrativa envolvente e muitas, mas muitas coincidências inverossímeis, daquelas que, a cada vez que aparecem, nos fazem dizer: “isso acontece só em novelas”. Além disso, como todo lançamento do romancista peruano, o sucesso de público é imediato e as traduções para outras línguas são quase simultâneas.

Para quem aprendeu a admirar o escritor depois de ler clássicos como A Cidade e os Cachorros, Conversas na Catedral, A Casa Verde, A Guerra do Fim do Mundo, o novo romance causa, muitas vezes, decepção. Porém, quando descreve cenas de sexo sem cair na pornografia barata ou revela o painel político, social e cultural de décadas e países diferentes com um poder de síntese impressionante, podemos dizer: esse é o Vargas Llosa.

A narrativa nos prende do início ao fim. Vargas Llosa utiliza a técnica do folhetim, embora não em capítulos curtos, o que provoca uma escrita ágil, novelesca, lembrando o romance Tia Júlia e o Escrevinhador, cujo protagonista era um escritor de novelas de rádio. Ele ainda deixou de lado a multiplicidade de focos narrativos, que nas outras obras mudavam de um parágrafo para outro, o que pode desagradar seus admiradores, que desejam um desafio de leitura maior. Porém, conquista novos leitores.


O leitor se pergunta

O romance (que marca a estréia, no Brasil, do selo espanhol Alfaguara) começa nos anos 50, em Lima, no Peru. Ricardo Somocurcio, adolescente de 15 anos, se apaixona por outra jovem, Lily, admirada pelos meninos e invejada pelas meninas, pois afirmava que havia nascido no Chile. Logo é desmascarada e some pela primeira vez da vida de Ricardito.

Nos anos 60, Ricardo realiza seu sonho de morar em Paris. Trabalha como tradutor e intérprete na Unesco. Tem um amigo militante de esquerda, responsável por acolher jovens peruanos que irão estudar táticas guerrilheiras nos países comunistas. Pois um dos jovens é justamente Lily. Os dois mantém um relacionamento, mas ela tem de partir para Cuba, onde se torna amante de um militar.

Já na década de 70, em Londres, por uma coincidência, acaba encontrando-a, já com outro amante e outro nome. E assim segue o baile em Paris, no Japão... Uma sucessão de coincidências, e é aí que está a grande falha. O leitor se pergunta: como pode ele sempre se encontrar com a menina má em qualquer parte? Fosse em uma cidade apenas, mas em várias partes do mundo? Além disso, quando retorna a Lima para visitar seu tio, encontra, adivinhem: o pai de Lily! Sinceramente, nesse ponto, o autor deixou a desejar.

Por outro lado, há sempre uma história dentro de outra história, o que Llosa chama de “dado escondido”, em seu livro Cartas a um Jovem Escritor, que também está nas livrarias. Em meio à paixão doentia de Ricardito, o escritor percorre momentos importantes da política mundial e, principalmente, do Peru. É onde se manifestam as posições políticas de Vargas Llosa, que partiu da esquerda no começo da carreira para depois se tornar um neoliberal, inclusive concorrendo à presidência de seu país em 1990.

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