Crônica publicada hoje no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, página de opinião.

BURACOS

Há um ano, uma enorme cratera, provocada por uma construção de túneis para o metrô na cidade de São Paulo, engoliu caminhões, carros, casas e pessoas. Esse fato me fez lembrar das voçorocas do romance Ópera dos mortos, do escritor mineiro Autran Dourado. Voçoroca é um desmoronamento devido à erosão produzida por águas subterrâneas. Na história, uma cidadezinha chamada Duas Pontes está sendo aos poucos engolida por esse fenômeno da natureza. Mas essa destruição não é apenas física, mas também, metaforicamente, representa a degradação moral dos seus habitantes. Qualquer semelhança com a capital paulista não é mera coincidência.

Aliás, não precisamos ir muito longe. É só circularmos por Santa Cruz do Sul para vermos os buracos que enfeitam várias de nossas ruas e calçadas. Quantos automóveis já tiveram suas suspensões avariadas ou quantas pessoas, como eu, torceram o pé por causa da má conservação de nossas vias públicas. São crateras que não engolem carros, casas, pessoas, mas fazem desaparecer nosso orgulho de dizer que somos cidadãos e escolhemos nossos representantes. Por que os escolhemos, se não para atender, ao menos, as nossas necessidades mais básicas? Aqui da janela da minha casa tenho uma visão privilegiada do Lago Dourado. Um buraco sempre cheio de água. Mas para que serve, se no exato momento em que estou olhando para ele, a torneira aqui de casa está cheia de ar? Nossos representantes acham que todos têm um buraco na memória e esquecem as promessas feitas...

Buracos podem simbolizar a falta de alguma coisa. Falta inteligência, por exemplo, para quem gasta seu tempo na frente da TV vendo gente menos inteligente ainda fazendo nada. Aliás, a expressão Big Brother, que dá nome a esse edificante programa televisivo, foi criada pelo escritor George Orwell no romance 1984, também adaptado para o cinema. Na história, as pessoas sofrem uma espécie de lavagem cerebral para aceitarem tudo que é imposto pelo governo totalitário e são vigiadas 24 horas por dia. Por isso o nome tem tudo a ver com o programa da Rede Globo, não pelo fato de as pessoas serem observadas pelas câmeras, mas sim pela lavagem cerebral que provoca no povo brasileiro.

Se alguém não gostou do que escrevi, faça de conta que há um buraco nesta página...

Cassionei N. Petry, professor de Língua Portuguesa e Literatura

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