Eleição no Estado laico
Artigo de opinião que escrevi para o jornal Gazeta do Sul de hoje.
Eleição no Estado laico
Pedir um país laico
parece absurdo para algumas pessoas. Como pode, porém, ser absurda a ideia de
respeitar todas as crenças e a não-crença? Quando se discute a laicidade, quem
a defende não quer impor o ateísmo, pois muitos também acreditam em algo
superior e sentem-se desrespeitados devido à imposição de símbolos e ritos que
não compactuam com sua fé. O que se quer é neutralidade do poder público.
Imaginemos, então, um
país governado por um religioso (ou pretensamente religioso), evangélico,
católico, marxista, seja de que religião for. Se isso não influenciar suas
decisões políticas, sem problemas, salvo se sua fé irá decidir e redefinir de
forma parcial o futuro do país.
Tenho muitas ressalvas
à candidatura de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil por esse motivo. Um dos
seus lemas é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.” Como ateu, afirmo que
esse “Deus” não está acima de mim, assim como não está dos politeístas e dos
que acreditam em deuses que não estão na Bíblia (ou estão, mas como mal a ser
combatido com a espada divina).
Há ainda um discurso do
presidenciável, cujo vídeo circula na internet, em que exclama: “Nós somos um
país cristão! Não tem essa historinha de
Estado laico não! As minorias têm que se curvar para as maiorias!” O público
delira, grita, enquanto ele conclui: “as minorias se adequam ou desapareçam!”
Curvar-se, desaparecer, isso lembra um passado que não queremos repetir.
Apesar de nossa Constituição invocar “a proteção de Deus”
no seu preâmbulo, o art. 5º, inciso VI, afirma que “é inviolável a
liberdade de consciência e de crença”, enquanto que art. 19, inciso I, proíbe o
poder público de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração
de interesse público.” Na prática, isso não ocorre. Se tivermos no poder um indivíduo
que se vangloria de desrespeitar esse ponto de nossa lei maior, a possiblidade
de conflitos religiosos será grande, e já vimos as consequências disso em
muitos países.
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