As eleições e o cipó-matador




Minha crônica no jornal Gazeta do Sul de hoje.

As eleições e o cipó-matador

Cosmos, uma ontologia materialista (Ed. Martins Fontes, 528 p., trad. Dorothée de Bruchard) é um dos 100 livros lançados pelo prolífico e polêmico pensador francês Michel Onfray. Os ensaios que o compõem tratam da maneira filosófica como o autor vê a natureza que nos rodeia, seus mistérios, sua influência sobre o ser humano, sempre numa perspectiva ateia e pagã. Em um dos capítulos, “Botânica da vontade poder”, nos fala sobre o cipó-matador, uma espécie curiosa de trepadeira.

Para conseguir entender melhor o conceito de “vontade de poder” de Nietzsche, Onfray encontrou em duas obras do filósofo alemão, Fragmentos póstumos e Além do bem e do mal, referência às “trepadeiras ávidas de sol encontradas em Java – são chamadas de cipó-matador – que com seus braços tanto apertam um carvalho, e por tanto tempo, até que por fim, muito acima dele, mas nele apoiadas, podem abrir sua copa e ostentar sua felicidade em plena luz” (uso aqui a tradução de Além do bem e do mal por Renato Zwick). A planta, então, se tornou uma obsessão para Onfray, que questionava por que justamente ela foi utilizada como metáfora por Nietzsche, e também não sossegou enquanto não viu uma de perto.

Acontece que o cipó-matador, para conseguir a luz necessária para sua sobrevivência, sufoca com seu “abraço” o carvalho. As imagens que pesquisei na internet realmente mostram a trepadeira como se tivesse realmente “braços” envolvendo a árvore. No folclore mexicano, recebe o nome de “liana asesina”. Esse amplexo, portanto, nada tem de acolhedor e pode prejudicar a outra planta.

Estamos em ano eleitoral, quando os candidatos distribuem abraços aos eleitores. Esses atos de carinho, com o intuito de agradar o povo para se chegar ao poder, pode não ser nada benéfico. Aquele sujeito legal, que paga churrasco, cerveja e diz ser do povo, pode estar apenas utilizando o inocente eleitor para benefício próprio, buscando atingir o alto, o seu Olimpo, subindo nas costas do trabalhador, que aceita migalhas que somente na aparência fazem diferença na sua vida.

Lembro-me dos versos de Augusto dos Anjos: “o beijo, amigo, é a véspera do escarro, / a mão que afaga é a mesma que apedreja”. Identifico-me com o pessimismo do poeta pré-modernista, afinal também já fui seduzido por gestos belos, palavras de incentivo e amáveis de muitas pessoas, não apenas políticos, que depois se voltaram contra mim e fizeram de tudo para me prejudicar. Por isso, nessa e em qualquer outra eleição, não me iludo mais com nenhum dos candidatos, que de cândidos, convenhamos, não têm nada. Não quero ser carvalho para nenhum cipó-matador.

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