Uma decepção



 A edição de Os contos, de Lygia Fagundes Telles (Companhia das Letras, 888 páginas) é frustrante. Não pelas histórias da grande escritora, obviamente, mas sim pela expectativa criada no leitor de ler os livros da juventude da autora, afinal o release da editora nos fala de contos completos. Pelo visto, não conseguiram fazer a rainha da literatura brasileira (que me perdoem os fãs de Clarice Lispector, que por sinal mereceu um livro de contos completos digno de sua importância) mudar de ideia, se é que tentaram, pois ela renega seus primeiros livros. É uma pena, pois nos resta apenas sonhar em ler, por exemplo, Porão e sobrado, de 1938, quando a autora tinha 15 anos de idade, cujos raros exemplares disponíveis são vendidos por mais de mil reais nos sebos.

Além do livro citado, Lygia Fagundes Telles também proibiu que fossem reeditados Praia viva (1944) e O cacto vermelho (1949), pois são, segundo ela, “obras juvenis e seria perda de tempo lê-las”. Histórias de desencontro (1958) e O jardim selvagem (1965) também não foram reeditados e somente alguns contos apareceram em coletâneas posteriores, numa sucessão de títulos que confunde o leitor. Embora respeite a decisão da escritora, não a aprovo porque priva seus admiradores de conhecer toda a obra, sua evolução e, porque não dizer, a possibilidade de perceber que mesmo um conto ruim da Lygia Fagundes Telles merece ser mais lido do que contos de “fenômenos” fabricados por agências e editoras, inclusive a própria Companhia das Letras (vide o caso do incensado Geovani Martins).

Cheguei um dia a perguntar numa das redes sociais da editora se não fariam uma edição dos contos de Lygia semelhante a que fizeram com a obra de Caio Fernando Abreu. Responderam que não estava nos planos. Quando anunciaram Os contos como se fosse uma edição com todos os relatos, criei uma expectativa muito grande, assim como deve ter acontecido com muitos leitores, e pensei que haviam atendido a meu pedido.

Mas não. Os livros da coletânea são todos os editados pela própria Companhia das Letras, desde Antes do baile verde (de 1970, mas com alguns contos de coletâneas anteriores) até O coração ardente. Este último, lançado em 2012, pode parecer, para um leitor desavisado, um livro de contos novos de Lygia, mas todos são na verdade de livros dos anos 50 e 60 que não foram reeditados. Nem mesmo o belo posfácio de Walnice Nogueira Galvão explica isso. Aliás, é o único texto crítico em uma importante publicação como essa.

Uma edição, portanto, que acrescenta muito pouco à obra da autora. É apenas uma reunião de alguns livros que ainda estão em catálogo somando-se a alguns contos esparsos. O que poderia ter sido uma bela homenagem em vida para nossa grande escritora, torna-se apenas mais um título na sua bibliografia. Merece ainda mais do que isso.

Comentários

Bruce Torres disse…
Seu post foi o que me fez desistir de comprar a edição física do livro. Compre ebook porque volta e meia quero ler algum conto dela e assim fica mais fácil, mas é uma pena que não tenham mesmo reunido tudo - semelhante problema se encontra nos Contos Reunidos de Rubem Fonseca, onde o autor pediu que um dos contos fosse removido. Obrigado pelo post, me ajudou muito. Verificar a evolução de um(a) autor(a) é algo que seria muito útil.
Cassionei Petry disse…
Obrigado pelo comentário.

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