Assim eu quereria minhas crônicas
“Assim eu quereria
minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.”
Fernando Sabino
“Deixem de ser ignorantes, burros, idiotas e saiam
de cima do muro. Isentar-se num momento desses é ser covarde, é ser conivente com
tudo de errado que está aí, é deixar de ser humano, é ser um monstro, um
antidemocrático, é ter as mãos manchadas de sangue, é ser fascista, nazista,
racista, homofóbico...”
Mais ou menos assim as pessoas tentam convencer os
demais a tomarem posição: ofendendo, duvidando da capacidade intelectual do
outro, rotulando, impondo suas ideias, porém se dizendo democrático. Um bom começo
para tentar convencer alguém seria respeitar o ponto de vista alheio, para só
depois expor argumentos que façam a pessoa mudar de ideia.
Não opinar ou opinar criticando todos os lados são
também formas de se posicionar. Há quem julgue inútil expor suas opiniões ou
considere inútil o que pensa, pois não estará agregando nada ao debate público.
Há quem não se posicione e queira manter-se independente para depois criticar
de forma coerente quem assume o poder. Há quem critique um político por
determinadas declarações e, principalmente, por seu posicionamento contra quem
não tem crença religiosa, mas também critica outros políticos por fazerem parte
de um partido que o decepcionou profundamente e que manipula ideologicamente as
esferas culturais e educacionais.
Há quem tenha uma visão trágica e pessimista da
vida, não acredita em utopias, não vendo em ninguém uma solução para os nossos
problemas e por isso prefere ficar alienado, refugiado em seu canto preferido
da casa, a biblioteca, lendo uma ficção que espelha muito melhor a realidade do
que qualquer opinião na internet.
Lembro-me daquelas crônicas antigas, que hoje não
se escrevem mais, abordando coisas do cotidiano, passagens banais da vida.
Gostaria de ser um Fernando Sabino ou um Rubem Braga do século XXI, escrevendo
sobre o passarinho que deixou um sujeito feliz com seu canto, mas depois sujou
o carro dele, provocando um dia de fúria no cidadão; sobre o velhinho que foi
ajudado por um menino a atravessar a rua e depois deu uma bengalada no mendigo
que pedia esmola; sobre a senhora que posta fotos de cachorrinhos fofinhos nas
redes sociais e depois dá somente as sobras de comida para o almoço de sua
empregada; sobre o artista arauto da democracia que humilha seus fãs por
pensarem diferente dele.
Assim eu quereria escrever minhas crônicas: que
falassem das coisas pequenas e belas da vida, afinal, ela é a única que temos, e
também dos pequenos problemas do cotidiano, que às vezes são mais importantes
do que qualquer discussão política.
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