Um escritor judeu criminoso para os judeus
Philip Roth inicia sua carreira com as narrativas breves de
“Adeus, Columbus”, de 1959 (publicada por aqui pela Companhia das Letras, no
selo Companhia de Bolso, em 2006), em que as críticas severas aos costumes
judaicos provocaram a ira da comunidade contra seu “traidor”. O que dizer do
garoto que enfrenta o rabino, questionando as contradições da religião, em “A
conversão dos judeus”? É o que faz Roth através dos seus personagens.
“O que está sendo feito para calar esse homem?”, questionou
um líder judeu ao ver os contos do autor sendo publicados e causando polêmica. Um
escritor criminoso, portanto. Seus pares são ridicularizados através de
personagens como o soldado Sheldon Grossbart, em “O defensor da fé”, um sujeito
chato que inventa cartas para autoridades para que as leis de seu povo sejam
respeitadas mesmo durante a guerra, acabando com a paciência e a boa vontade do
sargento Marx, que sempre cedia aos pedidos mais inconvenientes para o momento
conturbado em que viviam: “você é manipulador, é desonesto”.
Em “Eli, o fanático”, tanto o fanatismo religioso quanto a
racionalidade exacerbada são questionados. Um judeu secularizado deseja que
ortodoxos que moram no bairro sejam expulsos: “Essas coisas todas, Eli, a
ciência já provou que estão erradas, e eu me recuso a ver uma coisa assim
acontecendo no meu quintal”. Quem é intolerante, afinal?
É na novela que dá título ao livro que temos representado
aquele tipo de personagem misógino de Roth, que faz com que hoje o autor ou
quem escreve sobre ele (caso de seu biógrafo) sejam “cancelados”. O
pós-adolescente Neil se apaixona por Brenda, pensa em sexo a toda hora, e acaba
obrigando a namorada a usar um diafragma, o que causa certo problema com a mãe
da jovem. Já em “Epstein”, Roth antecipa os personagens mais velhos que também
só pensam em trepar, que povoariam suas obras mais conhecidas. Aqui, o sujeito
trai a esposa com uma vizinha e é pego numa situação tragicômica.
Roth já tinha a mão firme aos 26 anos, sabia contar bem uma
história, era corajoso e provocador, sempre tendo em mente a máxima de Kafka: “Penso
que devemos ler apenas os livros que nos mordem e aferroam. Se o livro que
estamos lendo não nos desperta com uma pancada na cabeça, por que nos dedicar a
sua leitura?”. Philip Roth sempre incomodou e vai, mesmo depois de morto,
continuar incomodando.
(Cassionei Niches Petry)
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