Carnaval pode tudo?

 


 

Carnaval. Para muitos, a festa da carne, em que tudo vale, tudo pode. Em que se usam máscaras, fantasias, se pula e se dança: samba, marchinha, frevo, axé, funk, não importa o ritmo. Bebe-se muito, usam-se drogas, faz-se muito sexo. Pobres e ricos, em tese, trocam de posições. O negro da periferia desfila na passarela para ser aplaudido, o branco do bairro rico deixa o carro na garagem e desce à rua para pular. O mesmo negro, porém, pode ser barrado no baile de salão das elites, ou então as escolas de samba das vilas podem ser ignoradas em “bailinhos” no centro da cidade. É, portanto, uma festa aparentemente democrática. Tudo, enfim, pode acontecer durante o reinado de Momo.

Roberto Damatta, em seu livro “Carnavais, malandros e heróis”, faz uma interessante analogia dos desfiles de Carnaval com as procissões religiosas e as paradas militares. São ritos presentes na nossa sociedade. Para o antropólogo, entretanto, “o momento carnavalesco redefine o mundo social brasileiro”. Num ato religioso, há uma solenidade devido ao sagrado, ao divino. Na marcha militar também há solenidade, mas relativa ao respeito às instituições, à ordem e à disciplina. No Carnaval, a solenidade dá lugar à liberdade, a ordem é substituída pela farra e a disciplina desaparece para imperar a transgressão, salvo, claro, nos desfiles competitivos, que engessam as escolas de samba ao estipularem regras em uma festa cuja essência é a quebra das regras. Aliás, até os paladinos da liberdade e da igualdade tentam impor restrições nessa época, dizendo quais fantasias não podem ser usadas na folia, por serem desrespeitosas a alguns segmentos da sociedade. Ora, fantasiar-se é viver a ilusão de ser o outro, o que não deixa de ser uma forma de respeitá-lo.

O Carnaval também incomoda muita gente que não gosta do barulho, da bagunça, do lixo deixado nas ruas, da promiscuidade, da bebedeira, da música. Quem bom que é assim, afinal há quem possa não gostar de outros eventos, como uma procissão religiosa de caminhões que trancam o trânsito ou o pastor gritando alto no microfone da igreja para todo o quarteirão ouvir. Se todo mundo compartilhasse dos mesmos gostos, o muito seria uma chatice.

No Carnaval se pode tudo, até não gostar de Carnaval. Eu mesmo, que já fui folião e fiz parte de uma bateria de escola de samba, já não gosto tanto das festas momescas, embora possam me ver numa, porém duro como uma estátua. No entanto, ainda me encanta a magia de uma época em que o povo tenta esquecer os problemas diários e conserva, como diz o poeta, “a arte de sorrir cada vez que o mundo diz não”.

 

Cassionei Niches Petry – professor e escritor

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