Contos envoltos em fumaça
No site Crônicas Cariocas, minha resenha sobre "Ausente por tempo indeterminado", de Julio Ramón Ribeyro, editado pela Carambaia:
Contos envoltos em fumaça
Ausente por tempo indeterminado é o nome que recebe, nesta edição da Carambaia, com tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht, o livro de contos Solo para fumadores, de Julio Ramón Ribeyro, publicado originalmente em 1987. Foi uma decisão acertada a escolha do título, tendo em vista que uma antologia de contos do escritor peruano publicada pela extinta CosacNaify já havia sido intitulada como Só para fumantes (a tradutora foi Laura Janina Hosiasson) e poderia haver uma confusão, pois são livros diferentes. O título também vem a calhar porque o autor ficou durante bastante tempo ausente das nossas livrarias, falha que está sendo aos poucos corrigida.
Julio Ramón Ribeyro apareceu pela primeira vez no Brasil com o conto “O professor substituto”, em Os 100 melhores contos de humor da literatura universal, traduzido pelo saudoso Flávio Moreira da Costa, que organizou a antologia no começo dos anos 2000. Depois disso, foi traduzido por Gustavo Pacheco o volume Prosas apátridas, na coleção “Otra língua”, da Rocco, que resenhei para uma antiga coluna que eu tinha em um jornal da minha cidade. Recentemente, a Editora Moinhos lançou a primeira obra do escritor, Os urubus sem penas, de 1955, tradução de Silvia Massimini Feliz.
“Só para fumantes”, a primeira “tragada” do livro, é um conto-ensaio-autobiografia que vicia tanto quanto seu objeto de estudo, que é o cigarro. Julio Ramón Ribeyro quase sempre aparece em fotos com o cigarro nas mãos e rodeado pela fumaça. Aqui ele conta a história do seu vício, os absurdos que teve fazer para mantê-lo, inclusive o que faria qualquer amante da literatura entrar em desespero: “Um dia, vi que não tinha dinheiro sequer para comprar cigarro francês – e consequentemente não podia ler as minhas cartas –, e tive de cometer um ato vil: vender meus livros. Eram só uns duzentos, algo assim, mas eram os livros que eu mais amava, aqueles que vinha arrastando durante anos por países, trens e pensões, e que tinham sobrevivido a todas as vicissitudes da minha vida errante (…). Sentado na cama, acendi um cigarro e olhei para a prateleira vazia. Meus livros literalmente tinham virado fumaça”.
O mundinho literário é o tema do livro como um todo. No conto que intitula esta edição, temos a história de Mario, que tenta abandonar sua vida desregrada, repleta de bebedeiras com os amigos nos lugares mais sórdidos de Lima, no Peru, para se refugiar numa cidade pequena e finalmente escrever seu romance. “Chá literário”, por seu turno, retrata um grupo de leituras que espera a visita de um grande escritor. Nesta história se discute, de certa forma, a relevância que se dá à figura do artista, em detrimento do que realmente importa, que é sua criação.
O conto “A solução” é praticamente uma oficina de criação literária. Atendendo a um pedido de seus amigos, Armando conta o enredo de um relato que está escrevendo, ainda sem saber que rumos tomar, qual a solução para desenrolar o nó que gerou o conflito: um caso (ou mais) de adultério e o que o marido traído deve fazer depois de descobri-lo(s). Ele menciona suas alternativas e os amigos sugerem outras. O final ainda traz outra surpresa.
As demais histórias, apesar de levemente inferiores que as quatro primeiras, ainda assim fazem jus ao decálogo para o gênero conto que Julio Ramón Ribeyro escreveu e que está reproduzido na introdução de Ausente por tempo indeterminado. Num dos preceitos, o 4º “mandamento”, o autor afirma: “a história contada pelo conto deve entreter, emocionar, intrigar ou surpreender, e se for tudo isso junto, melhor. Se não obtiver nenhum desses efeitos, não existe como conto”.
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