The Sunset Limited, de Cormac McCarthy

 

Das matérias sobre a morte do escritor Cormac McCarthy, autor de A estrada, não vi comentários sobre suas peças de teatro. Uma delas foi publicada em livro e levada às telas, como aconteceu com seus principais romances, mas não consta na maioria das bibliografias do autor divulgadas nos jornais e sites.

Os poucos leitores que me acompanham sabem que o suicídio me atrai. Como estudo e pesquisa, que fique claro, sobretudo na literatura e também é a temática dos meus contos e romances. Outro assunto sobre o qual me debruço vez ou outra é o ateísmo. Disto sim sou adepto. Este são dois dos assuntos da peça (ou, como consta no subtítulo na capa da edição norte-americana, romance em forma dramática) The Sunset Limited, de Cormac McCarthy, encenada em 2006. (Vale acrescentar que a mesma capa tem como imagem uma xícara de café, outra coisa que me atrai. E muito.)

Ouvi falar da obra, se não me falha a memória (e ela sempre falha) nas minhas pesquisas sobre o suicídio na literatura, que resultaram em um artigo acadêmico para o mestrado em Letras. Na verdade apareceu algo sobre a adaptação dirigida por Tomy Lee Jones, um telefilme de 2011 que conta com Samuel  L. Jackson no papel do “negro” e o próprio Lee Jones no papel do “branco”. Obviamente pouco conhecido, pois é um filme de ideias, se seguiu o original, visto que não consegui assisti-lo, não há ação e as cenas se passam todas em um único lugar e somente com dois atores refletindo filosoficamente. Por aqui recebeu o título de “No limite do suicídio”.

O enredo da peça tem como cenário o apartamento de um ex-presidiário recuperado e religioso fervoroso, denominado na rubrica apenas por “Black”. A seu lado, um professor ateu, cuja rubrica indica “White”, que havia há pouco tentado se jogar nos trilhos do trem chamado “Sunset Limited” e foi salvo justamente pelo dono da casa, que não o deixa sair, receoso de que voltasse a tentar se suicidar. O que se lê, ao longo das 111 páginas da edição em espanhol a que tive acesso, é um sólido diálogo não só sobre a crença e a descrença, mas também sobre o altruísmo e o egoísmo, o otimismo e o pessimismo, a vida e a morte, a amizade e a solidão.

Eis alguns trechos, numa tradução livre e de segunda mão:

"BRANCO: A visão pessimista é sempre a correta. Quando lemos a história da humanidade, estamos lendo uma saga de derramamento de sangue, de cobiça e de loucura, cujo alcance ninguém pode ignorar. Ainda assim, imaginamos que o futuro será de alguma maneira diferente. Não tenho nem ideia de como estamos, mas o que é certo é que não vamos durar muito mais." 

(...)

“BRANCO: Você acha que minha cultura está me empurrando ao suicídio, não?

NEGRO: Na sua opinião, por que você acha que as pessoas se suicidam?

BRANCO: Não sei. Por razões diferentes.

NEGRO: Ok, mas essas razões diferentes não têm algo em comum, digamos?

BRANCO: Não posso falar pelos outros. As minhas giram em torno de uma perda gradual da fantasia. Isso é tudo. Um lento esclarecimento quanto ao caráter da realidade. Do mundo.”

(...)

“BRANCO: Minha ideia é que o mundo, basicamente, é um campo de trabalhos forçados do qual a cada x dias retiram uns quantos internos (todos eles completamente inocentes) a fim de executá-los.”

(...)

“BRANCO: Eu não acredito em Deus. É tão difícil de entender? Olhe ao seu redor, cara. Você não vê? O grito indescritível dos que sofrem deve ser para ele o mais agradável dos sons.”


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