O destino de uma crônica



Na semana passada, refletindo com alunos de literatura sobre o texto “O jornal e suas metamorfoses”, do livro Histórias de cronópios e de famas, de Julio Cortázar, me lembrei de um episódio que me marcou no início da minha colaboração como escritor nos periódicos da minha cidade.

Corria o ano de mil novecentos e antigamente. Eu trabalhava com meu pai na marcenaria dele. Era o responsável pela pintura dos móveis, além de ajudá-lo na montagem. Também nessa época, ainda estudante do ensino médio, comecei a escrever minhas primeiras crônicas, tentando, ingenuamente, trilhar o caminho de Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade, quarteto protagonista das primeiras edições da coleção “Para gostar de ler”, da editora Ática. Queria ser um cronista profissional como eles, ou seja, ganhar uns “pila” com meus textos e ver meu nome estampado com letra impressa.
O primeiro jornal que me acolheu foi o Riovale, pelas mãos do editor Roni Ferreira Nunes, também escritor, autor do belíssimo O buscador (que tem ecos de Cortázar) e hoje advogado. Mais tarde, o jornal Gazeta do Sul também me abriu as portas, graças à paixão pela literatura do editor de cultura e poeta Mauro Ulrich. Desde esse momento, nunca deixei de colaborar com a Gazeta, sendo que hoje tenho até uma coluna. (Mas não, não me tornei profissional como desejava ingenuamente ser.)
Um dia, montando móveis de cozinha em uma casa em reforma, vi no chão a página com minha crônica, servindo de forro para não sujar o piso. Gotas de tinta sujavam as palavras que escrevi. Pés pisavam sem dó a ilustração, desfigurando o rosto da personagem Pascoalina. Juntei o jornal, amassei-o e o joguei no lixo. Pelo menos não veria mais o meu texto sendo maltratado.
Lembrei-me então do texto do Antonio Candido que falava do destino da crônica publicada no jornal, que serviria como embrulho do peixe na feira. Ou então “embrulhar um molho de acelga”, de acordo com o texto do Cortázar, que se refere ao jornal como um todo. Um dia, quem sabe, minhas crônicas possam ser publicadas em livros, assim como o foram as obras do quarteto acima citado.

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