Nei Duclós na minha coluna Traçando Livros de hoje
Romance que deixa rastros no leitor
As histórias do novo romance de Nei Duclós, Tudo
o que pisa deixa rastros (edição do autor, 161 páginas) são sobre parte
da História que deixou poucos rastros. O ficcionista apenas seguiu as pegadas,
as pistas, as trilhas deixadas por alguns historiadores e jornalistas elencados
na bibliografia. Poeta por vocação, historiador por formação, jornalista por
profissão, o gaúcho Nei Duclós mostra-se um romancista que se arrisca, e com
bons resultados.
Sigo também, para escrever estas linhas, os vestígios
deixados pelo escritor. Eu próprio deixei meus rastros nas frases sublinhadas. Traço
os livros como a onça deixa suas pegadas.
O romance é formado por fragmentos de parte da História não
contada nos livros didáticos. Não há um protagonista, salvo se considerarmos o
livro como um conjunto de contos, o que nos desmente a ficha catalográfica. São
as guerras, os conflitos e revoluções ocorridas no Brasil nos séculos XIX e XX,
dos conflitos da independência do Brasil, passando pela Revolução Farroupilha,
Guerra do Paraguai, revoluções de 30, 32, até a Ditadura, que movem as
personagens. “O Brasil é assim: tanta guerra que não damos conta de contar a
história direito.”
São histórias da História contadas
por diversas vozes e personagens históricos e ficcionais. O imperador Dom Pedro
I e suas aulas de esgrima (“Preciso dominar esta arte, disse para a lâmina,
pois a toda hora me vejo diante de adversários mal intencionados.”), o lanceiro
negro experiente em rastrear animais (“Para quem conhece os segredos, nem chuva
ou vento apaga os sinais do rumo, o risco das garras.”), o imperador Dom Pedro
II perdido em meio à chuva no interior do Rio Grande do Sul, crianças em meio
ao bombardeio na cidade de São Paulo dos anos 20.
Há descrições de cenas dolorosas,
como esta: “No meio daquele horror e daquela sangueira, os gemidos dos feridos,
os gritos das mães juntando os membros espalhados das suas crianças eram um
quadro do mais profundo sofrimento.” Mas há também momentos hilários, como o
diálogo de uma velha (que seria a viúva do lanceiro rastreador) que duvidava do
homem que se dizia ser o imperador, que se perdera de uma comitiva durante a
Guerra do Paraguai: “– Vai dormir, vai, véio. Imperador, pois sim. Não passa de
um calça frouxa.”
Depois da leitura, um rastro de desolação fica no leitor. A
crueza dos conflitos e a desumanidade de quem os pratica deixam marcas na
história coletiva, mas atingem também o indivíduo que lê. Nei Duclós, como todo
bom escritor, mais sugere que revela, deixa pistas para o leitor seguir. Até os
erros de revisão são vestígios, no caso de uma escrita que merecia ainda ser
melhor lapida, porém representativa de quem somos: seres imperfeitos, sujeitos
a erros como as guerras que aconteceram e as que ainda podem acontecer.
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