Notas de leitura de Inácio, de Lúcio Cardoso
Mais um quadro da galeria dos personagens atormentados de
Lúcio Cardoso. Rogério Palma, o narrador e protagonista da novela Inácio, de 1944, conta sobre o período
em que viveu numa pensão, quando tinha 19 anos, era estudante, mas decidira
parar de estudar porque tinha um novo de plano de vida: “Os homens, para mim,
são seres grotescos e miseráveis, acima de quem pretendo me colocar bem
ostensivamente (...). A vida é espantosamente alegre. Esta é a base do meu
famoso plano. Ser alegre, não de maneira comum, mas espantosa e definitivamente
alegre, soberanamente alegre”.
Estava com uma febre que lhe provocava delírios enquanto
dormia, entre eles chamar pelo nome de Inácio, segundo a dona da pensão. Por
isso, em um primeiro momento, duvidamos do que ele nos narra, ainda mais quando
soubemos onde está depois dos acontecimentos, ou seja, onde escreve a história.
O ponto de vista é importante para este enredo, pois o mistério sobre os
personagens que vão surgindo, principalmente a figura de Inácio, que dá título
à obra, nos leva a ir adiante e entender as preocupações do jovem.
Inácio é o primeiro
livro da trilogia denominada por Cardoso como “O mundo sem Deus”, que seria completada
por O enfeitiçado, e a obra póstuma Baltazar. Sei, portanto, que alguns
personagens vão retornar, pois não é apenas o tema que perpassa os volumes.
Propositalmente, porém, escrevo sem ler os outros para não influenciar as percepções
que tive sobre essa leitura. Certamente algumas pontas soltas serão costuradas
nas outras novelas. Nestas breves notas, também não pretendo revelar muita
coisa, para que o leitor, caso venha a ler a obra, também se envolva com os
mistérios sobre a origem e as relações dos demais personagens com o narrador.
Basta dizer que há a dona da pensão, a Duquesa, que morre de
amores pelo rapaz e finge passar mal quando ele sai à noite, mesmo estando
ainda doente. Na Lapa, no Rio de Janeiro, Rogério conhece a prostituta Violeta.
Vale ressaltar que o livro da minha estante que contém a novela Inácio forma outra trilogia, Três histórias da cidade, que se ambientam
na capital do Brasil à época, e que traz, além do já citado O enfeitiçado, a novela O anfiteatro. Quando volta à pensão, o
espera, com arma em punho, Lucas Andrade: “– (...) O certo é, que, durante
quinze anos, sonhei todas as horas e todos os minutos com este instante. Não
posso detalhar tudo, mas basta que saiba que estou aqui, com uma única
intenção: matá-lo”. Ora, Rogério teria apenas 4 anos, portanto. No decorrer da
narrativa teremos apenas algumas pistas das motivações do outro. O certo é que
Rogério convence o homem a mudar de ideia e pergunta se não é a Inácio que,
assim como ele, era quem Lucas estava procurando?
Lucas ainda leva o rapaz para seu quarto, um lugar pequeno,
kafkiano, e lhe mostra, através de uma abertura da parede, um corpo de uma
mulher em um caixão. Trata-se de Stela, outra peça do jogo que está apenas
começando: “Realmente, parecia-me um sonho, um prolongamento da febre que me
devorava durante tantos dias. Sem dúvida, vogava num oceano sem formas”.
No final, a ideia boba de que o ateísmo de um dos
personagens o tinha levado a uma vida vazia justifica o nome da trilogia, mas é
esta mesmo a visão do escritor, influenciado pelo catolicismo em toda a sua
obra. Como sou ateu, vou preenchendo o meu vazio com boa literatura, dessas que
incomodam. Por isso leio Lúcio Cardoso.
Comentários