Vamos falar sobre o suicídio?
Édouard Levé
Emil
Cioran, um filósofo que me detona todas as vezes em que leio seus escritos,
disse que “um livro é um suicídio adiado”. Coloquei este aforismo como epígrafe
do romance que estou escrevendo e que nunca vou terminar. O artista francês Édouard
Levé, por seu turno, concluiu seu breve romance intitulado Suicídio e se enforcou apenas três dias depois de entregar o
manuscrito a seu editor, em 2007.
A obra é
narrada em segunda pessoa, como se fosse uma carta. O narrador se dirige a um
amigo da juventude que tirou sua própria vida, refletindo com ele as causas de
sua morte e também seu comportamento enquanto vivo, suas relações, suas conquistas,
suas perdas e decepções. “Tua morte escreve tua vida.” (A tradução que fiz dos trechos
é de uma versão em espanhol.)
A julgar
pelas características do amigo, somos levados a vê-lo como o próprio Levé, com
a exceção da forma da morte: o personagem se mata com um tiro e não enforcado: “Não
vacilaste. Preparaste a escopeta. Meteste um cartucho. Disparaste na boca. Sabias
que os suicídios com arma de caça podem falhar se o atirador aponta na têmpora,
na testa ou no coração, pois o recuo desvia o cano do alvo.” Mas temos aqui
também um estudante de Economia e fotógrafo como autor, assim como é casado e
sem filhos. É uma espécie de continuação do romance anterior, Autorretrato, este sim declaradamente
autobiográfico.
Sendo assim,
o romance não deixa de ser um acerto de contas consigo mesmo, um olhar-se no
espelho, uma viagem interior. E o leitor, por sua vez, também se vê envolvido,
pensando que poderia ser ele nessa situação, ou que poderia ter feito algo para
impedir, mas não o faz. O fluxo da narrativa é fragmentário, não há uma ordem,
justamente simbolizando a cabeça angustiada de um suicida ou do amigo que tenta
entender as escolhas de alguém: “Te concentravas em intermináveis sessões de
dúvida. Te consideravas um expert na matéria. Porém duvidar te cansava tanto
que acabavas por duvidar da dúvida”.
O tema
vem a calhar, pois no próximo mês acontecerá uma campanha denominada “Setembro
amarelo”, visando a prevenção do suicídio e o alerta para as pessoas sobre a
importância de falar sobre o assunto, considerado um tabu e cujas notícias são
escamoteadas. Meu interesse recai principalmente no suicídio presente na
literatura, tanto de personagens quanto de escritores. Foi meu objeto de estudo
durante o Mestrado em Letras. E como haverá um projeto multidisciplinar no
colégio onde leciono abordando o tema (tendo em visto casos de tentativas de
suicídio de alguns alunos), devo mergulhar de novo em leituras como a de Camus,
A. Alvarez e tantos outros.
Antes
de me despedir, ou melhor, antes de terminar esta crônica, lembro que Suicídio termina com uma conjunto de
poemas de três versos. Destaco estes:
"O palavreado me perde
A polêmica me inflama
O silêncio me compensa".
Espero que não haja, porém, mais silêncio sobre a
morte voluntária. Vamos falar ainda muito sobre ela por aqui.
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