Ai de ti, Santa Cruz do Sul!
1.
Ai de ti, Santa Cruz do Sul, porque é chegado o dia
do teu aniversário, porém poucos te cantarão, nem mesmo este cronista tão
desconhecido por aqueles que em ti habitam.
2.
Ai de ti, Santa Cruz do Sul, porque a ti
chamaram de Capital do Fumo, e hoje o cigarro é mal visto em todo o mundo.
3.
Já movi as águas do Rio Pardinho para o Lago
Dourado e tu não viste este sinal; estás perdida e cega enquanto danças
bandinha.
4.
Grandes são as torres de tua catedral, e elas se
postam diante da praça desafiando teus habitantes; mas elas se abaterão.
5.
E muitos lixos nadam pelas tuas ruas, inundadas
por enxurradas enviadas como castigo por teres descuidados governantes.
6.
Então quem te reerguerá, trazendo o progresso a
que tanto almejaste? Pois na verdade não há progresso algum.
7.
Ai daqueles que dormem na Câmara de Vereadores e
não obedecem a seu único Senhor, o povo.
8.
Ai daqueles que passam em seus carros importados
em tuas esburacadas vias, pois não terão mais rodas para os levar a desfilar no
“bobódramo” da Imigrantes ou debaixo do Túnel Verde.
9.
Tuas donzelas caminham no calçadão da Floriano e
tomam sorvetes nos dias quentes, e teus mancebos fazem das motos instrumentos
que nos deixam os ouvidos surdos.
10. Por
que rezais em vossas igrejas, fariseus de Santa Cruz do Sul, e fazeis procissão
e romaria? Acaso não conhecemos como tratais vossos conterrâneos?
11. Pois
grande foi teu preconceito, Santa Cruz do Sul, e tenebroso o teu passado, pois
já desprezaste pela cor da pele um povo que ajudou a te erguer. Por isso o sol
te queima mais do que inferno.
12. A
mesquinhez de teus mercadores e a frieza de teus olhos azuis; e a ostentação de
teu povo dos bairros nobres vigiados por câmeras que tudo veem – eles passarão.
13. Muitos
morrerão afogados em barris de chope e em suas lágrimas fingidas.
14. Enfeita-te
como as damas de teus cabarés e coloca tuas joias obtidas pelo suor de teu povo
e canta teu último “retetê”, pois em verdade é tarde para dançar; e que
estremeça teu corpo de Capão da Cruz a Rio Pardinho, pois a fúria do cronista
te destruirá. Canta teu último “retetê”, Santa Cruz do Sul!
15. E depois desperta-te, Santa Cruz do Sul, e olha com mais carinho aqueles que te habitam desde que nasceram ou aqueles que te escolherem como lugar para trabalhar e viver, para que possas completar muitos outros anos, Santa Cruz do Sul, que melhores e assim não enfureças mais nenhum pobre cronista que leu Rubem Braga e o copiou descaradamente.
*
Muita boa a repercussão do texto que publiquei ontem no Facebook sobre o aniversário de Santa Cruz do Sul, minha cidade. Como sugeri no final, foi um exercício intertextual com a crônica "Ai de ti, Copacabana!", do mestre de todos os cronistas, Rubem Braga. Fica a dica ao leitores para procurarem o livro, atualmente no catálogo da Global Editora.
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