O cronista anuncia a primavera
Minha crônica na Gazeta do Sul de hoje.
Chega a primavera, a estação preferida de muitos cronistas,
mas não deste. Enquanto a maioria vê na primavera um símbolo de esperança,
representada pelo renascimento das flores, a filosofia de vida pessimista e
niilista deste escrevinhador faz com que ele não espere nada de bom nesta época
florida.
Distante que está dos grandes cronistas, não consegue ter
para a natureza um olhar lírico e de uma simplicidade inatingível como o de
Rubem Braga, que em “Recado da primavera” viu na varanda um “tico-tico com uma
folhinha seca de capim no bico” como “o sinal mais humilde da chegada da
Primavera”. Tampouco chega aos pés da Cecília Meireles, que escreveu que “só os
poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com
vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar
neste mundo cálido, de incessante luz”. Sente inveja da ironia certeira de Luis
Fernando Verissimo, para quem a “primavera é um descontrole glandular da
Natureza”, sendo que o “outono é a única estação civilizada”.
Carlos Drummond de Andrade, poeta até nas crônicas, escreveu
sobre uma visita que vem “às vezes fora de tempo, ou talvez contínua, porque em
nossa desordem e riqueza de jeitos terrestres nunca sabemos ao certo quando ela
veio, quando se foi, se vai demorar, se tomou o lugar de outras visitas menos
deliciosas, se a temos em redor, se está só nos livros, ou se habita
principalmente nossa fantasia. Uns a nomeiam primavera. Eu lhe chamo estado de
espírito”. Já para Paulo Mendes Campos, “o amor acaba (...) na floração
excessiva da primavera”. O bom de ler escritores diversos é isso: deparar-se
com distintas reflexões sobre a vida.
Leon Eliachar em crônica que ironiza os temas dos cronistas,
diz que “fazer crônica não é escrever palavras bonitas” e nem, entre outras
coisas, “anunciar a primavera”, o que Rubem Braga fazia costumeiramente. Pois
este cronista aqui iniciou justamente como tantos outros, mas para dizer que
não vê nada de bom na primavera, afinal não sabe que roupa usar nesta época,
pois ora sente calor, ora sente frio. Também não gosta do pólen das flores que
suja o vidro do carro. Além disso, prefere os dias mais cinzentos do outono e
do inverno e não o colorido primaveril.
Sim, este cronista é um chato, que reclama do frio no
inverno e do calor no verão, mas também não gosta de meia estação porque não
faz nem frio nem calor. É um sujeito insuportável que não espera nada da vida,
pois quando entrou neste inferno que é a Terra, viu a mesma inscrição que se lê
na Divina Comédia, de Dante: “Deixai,
ó vós que entrais, toda a esperança!”
O bom deste inferno é que você, leitor, pode discordar do
cronista, e aproveitar a primavera que inicia.
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