Um superpoeta
Involuntariamente, ou não, formou uma trilogia de livros de
poemas cujos títulos estão na língua de Shakespeare e de Paul McCartney. O
primeiro, de 2011, Cellophane flowers,
o segundo, de 2015, Sleeping bag. Em
2022, ele completou o tríptico com Stupidman,
lançado pela Editora Vírtua. As ilustrações da capa e das páginas do livro
são de Adão Iturrusgarai, mostrando que um dos superpoderes do Maurão é saber
se cercar de gente boa e talentosa (o espertinho publica no livro até um poema
composto com outros três poetas da cidade, devidamente creditados, claro).
Aliás, são essas pessoas da cidade que ele observa em suas
andanças pelas noites nos bares (Mauro não abre mão de uma boa cerveja) e
eventos culturais que dão mote para poemas como “Camarim”, em que homenageia os
atores de teatro Duka Spall e Simone Benke: “Abri as cortinas / apaguei a luz,
/ rasguei a seda, / cerzi o cetim (...)”. Ou então aquele “sem noção” que aluga
teus ouvidos numa madrugada depois de muitos goles: “Pois olha, meu camarada, /
vou ser bem franco / contigo: / a única novidade / no momento / é esta
intimidade / que tu tens comigo”.
É falando dele próprio, porém, que Mauro Ulrich se
sobressai. Numa pegada meio Woody Allen, ri de si mesmo, como diz em “Quarto de
hotel”: “(...) Rio de mim / e tenho raiva, também (...)”. Ri de suas dores
psicológicas, como em “FGTS”, em que uma dolorosa demissão do trabalho traz, vá
lá, uma boa notícia. Já as dores físicas são retratadas no poema “Cervical”: “Todo
o encanto se desfaz / quando é a dor quem te pega (...)”. Quanto ao amor, sua musa,
a professora Josiane Abrunhosa Ulrich (que lecionou a disciplina de Antropologia
Cultural para este resenhista, diga-se), inspira poemas como “Imperfeição”: “(...)
Onde encontrar / a mão / que semeou / tão ruiva / plantação?”.
A poesia de Mauro Ulrich é múltipla no que se refere a
temas, estilos e recursos literários. O que unifica o conjunto é uma
preocupação em não subestimar o leitor de qualquer idade, o que torna o autor
solicitado para saraus literários em lugares tão diferentes, desde bares a
escolas. E o sujeito dá conta do recado, angariando muitos leitores. Não à toa,
Stupidman foi o livro mais vendido da
Feira do Livro de Santa Cruz do Sul do ano passado e, neste ano, teve também
uma sessão de autógrafos disputada. Nada mal para um livro de poemas.
Lógico que esta resenha, se se pode chamá-la assim, não tem
nada de crítica. Em primeiro lugar porque não sou muito bom pra resenhar
poesia. Em segundo, porque devo ao escritor muito. Não, não devo dinheiro. Devo
a ele o espaço que me concedeu durante muitos anos no veículo de comunicação em
que trabalhou. Publiquei com ele crônicas e resenhas que tornaram o meu nome relativamente
conhecido. Só acho que eu não soube aproveitar bem a oportunidade. Ou talvez tenha
me faltado ou falte algo. Não sei. O que sei é que, embora não sejamos amigos
íntimos, e sim “irmãos nas letras”, como escreve nas dedicatórias dos livros
para mim, temos uma admiração mútua que impede um distanciamento para a
crítica.
Fica, porém, o registro de uma leitura prazerosa e provocadora,
dois requisitos importantes para uma obra literária. E fica a dica para o
leitor mergulhar neste e nos outros livros do super escritor, que de estúpido
não tem nada, Mauro Ulrich, o maior poeta da nossa cidade: “(...) esta coisa
comprida que sou (...)”. Qual tua altura mesmo, Maurão?
(Termino este texto enquanto roda, por acaso, na JB FM, que
ouço pela internet, a música “Band on the run”, de Paul McCartney & Wings. “Stuck
inside these four walls”. Coincidência? Sincronicidade? Jung explica.)
* Cassionei Niches Petry é autor do romance Desvarios entre quatro paredes, Editora Bestiário.
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