O Canto do Cisne de Paul Auster?


 

 Quando fiquei sabendo do lançamento do novo romance de Paul Auster nos Estados Unidos, não pensei duas vezes (para maltratar o clichê) e corri atrás do livro no seu formato digital. Meu inglês não é lá essas coisas (uma das minhas tantas lacunas culturais), mas o Google Tradutor ajuda um pouco. Depois do monumental 4321, de 2017, Auster lançou um alentado ensaio sobre o escritor Stephen Crane e outra ensaio sobre o endeusamento das armas na terra do Tio Sam. Não me interessei em ler nenhum. Sou aficionado pela sua ficção, pela maneira com que trata do acaso, dos seus personagens que escrevem ou estão ligados de alguma forma aos livros, de suas reflexões sobre a solidão e, agora, da velhice, tema que vem me inquietando, visto que estou na faixa etária que, quando jovem, considerava idade de velho. Já me considero um velho, embora não o seja (a não ser para os meus jovens alunos).

Baumgartner (Faber & Faber, 172 páginas) é a história de um professor e autor de livros sobre filosofia, Sy ou ST Baumgartner, que se aposentou há pouco tempo e perdeu a esposa há quase 10 anos. No início, o encontramos sozinho (não tem filhos) escrevendo sobre os pseudônimos de Kierkegaard em seu estúdio, a que também chama de “cova” ou “toca”, quando lembra que precisa descer ao primeiro andar e buscar um livro para uma citação e também que precisa ligar para sua irmã. Descobre que esqueceu uma panela no fogo e queima a mão ao tentar pegá-la. Depois, ao descer ao porão para auxiliar o funcionário que faz a medição de luz, cai da escada e machuca o joelho.

Esquecimento, dor, solidão. Temas que perpassam o enredo e provocam as recordações do personagem, principalmente sobre a esposa, Anna, que era tradutora e escrevia poesias. Perdê-la, depois de tantos anos de casado, faz com que sinta como se um membro seu tivesse sido amputado, embora ele perceba a presença dela em muitos momentos, o que o faz estudar “a síndrome do membro fantasma, que ele passou a chamar de síndrome da pessoa fantasma à medida que as congruências metafóricas se tornavam cada vez mais aparentes para ele”.

Baumgartner já tem 71 anos e poucas perspectivas de viver. Uma das últimas coisas que o mantêm são as memórias, lembradas por eles ou escritas por Anna, cujos manuscritos encontra em suas gavetas e são reproduzidos no romance. Em determinado momento, o protagonista se questiona: “por que alguns momentos fugazes e aleatórios persistem na memória enquanto outros, supostamente mais importantes, desaparecem para sempre?” Poderíamos responder, no que parece óbvio: é porque temos que esquecer. Esquecer também é viver.

Paul Auster vem sofrendo bastante na sua vida pessoal: no ano passado, foi diagnosticado com câncer, e segundo sua esposa, a também escritora Siri Hustvedt, continua lutando contra a doença na “cancerlância”. Também em 2022, morreu seu filho, de overdose, depois de ter sido acusado de matar a filha recém-nascida. Consta que Baumgartner foi escrito um pouco antes dessas tragédias. Mesmo assim, é um romance extremamente melancólico e, parece, aponta uma despedida, pelo menos literária do escritor, embora o final em aberto nos faça pensar o contrário. Esperamos que, como em muito de seus enredos, o acaso promova uma reviravolta em sua vida.

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