Uma quase resenha de um crítico invejoso
Uma quase resenha de um crítico invejoso
por Cassionei Niches Petry
Reginaldo Pujol Filho publica mais um artefato literário, que o rótulo editorial precisa chamar de romance, por não haver outro nome mais apropriado. É bem verdade que o romance tem essa possibilidade de juntar tudo num caldeirão e o autor chamá-lo assim. Silviano Santiago, há bem pouco tempo, chamou de romance um longo ensaio com pitadas de ficção. Trata-se de Machado (que comentei no Caderno de Sábado do Correio do Povo). Pujol, por seu turno, junta um punhado de textos de um catálogo de exposições de um artista, fictício é verdade, e chama de romance. Ou a editora o chama. O mercado assim o chama.
Como já conhecia a obra experimental do autor de Não, não é bem isso (que resenhei para a revista Sepé) e Só faltou o título (sobre o qual escrevi no jornal Gazeta do Sul), já sabia o que esperar ao ler Nosso corpo estranho (Fósforo Editora, 120 páginas, disponível também em e-book), um corpo nada estranho na obra de Pujol. Não sabia, no entanto, que a história ia ficar tão em segundo plano, ou tão subentendida. Temos um personagem: o artista plástico João Pedro Bennetti Bier, brasileiro, homossexual, radicado na Nova Iorque dos anos 80. Temos uma história: os amores, a fama, o estrelato e a queda de um indivíduo. Temos um drama universal, a partir da epidemia da AIDS. Tudo contado, entretanto, através da obra experimental do discípulo de Andy Warhol, que é descrita pelos textos do curador da exposição. Falta, por isso, ação, diálogos, enredo, enfim. São ensaios ficcionais o que lemos.
Sobra, por outro lado, criatividade. Não dá para ficar indiferente ao que Pujol escreve. Nada de mais do mesmo. Sabe, como poucos, emular qualquer tipo de texto e transformá-lo num texto literário, como no conto “Síndrome de Amnésia Induzida (SAI)”, de Não, não é bem isso, que imita, inclusive graficamente, um texto da Wikipédia, ou parodiar o estilo de outros escritores, vide os contos de Quero ser Reginaldo Pujol Filho.
Assim como o romance Só faltou o título surgiu como um trabalho acadêmico, resultado de sua dissertação de mestrado, Nosso corpo estranho faz parte de sua tese de doutorado em escrita criativa, em que afirma que o “trabalho impresso no formato livro pretende ser não um romance, mas uma exposição portátil”, o que nos remete ao conceito de literatura portátil de Vila-Matas, o que faz ganhar pontos comigo. O trabalho completo pode ser acessado no Repositório da PUC-RS. (Abro parênteses para dizer que também sou dos poucos que escreveram romance, Os óculos de Paula, para concluir um mestrado, mas a quem isso importa?)
Arte literária sim, é bem isso, azar do leitor que não entende. Confesso que eu queria ser Reginaldo Pujol Filho. Só me faltou o talento.
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