Um viaduto e uma crônica
“Na roda do mundo / lá vai o menino. / O mundo é tão grande / e os homens tão sós”, diz os versos de Thiago de Mello, poeta amazonense que já visitou nossa cidade, patrono da Feira do Livro, e que morreu há pouco tempo. Penso no menino que fui, perambulando ao redor do Posto Três Coqueiros, comprando pão na padaria Müller, comendo rapadura e tomando refri no armazém do Donário, indo buscar o avô que bebia sua cachacinha ou um vinho no bar do Sereno, brincando na praça do Arroio Grande, jogando bola no campo do Sapo, que também era o dono do posto de gasolina.
São lembranças de um tempo distante, que retornam quando passo quase diariamente pelo antigo trevo, hoje tomado por um viaduto que simboliza o progresso, mas que enterra uma época. Não há mais os três coqueiros, assim como há muitos anos já não existem as escadarias da praça na beirada da Euclides Kliemann, onde sentávamos para bater papo com os amigos, ouvir música no micro-system e também dar uma paquerada nas gurias. O campo deu lugar a um enorme atacado, a padaria virou farmácia, que também fechou, seu Donário se aposentou e fechou seu armazém, o seu Sereno e meu avô já não estão neste mundo e viram apenas parte do progresso.
O menino, que antes andava a pé, agora passa com seu carro pelo viaduto e lê nos comentários nas redes sociais gente reclamando ou elogiando a obra. Não entende por que brigam tanto. Não entende por que um quer ser melhor do que o outro: “quem reclama não sabe dirigir!”, “só tem lesma no nosso trânsito!”, dizem, ou gritam, através das teclas dos seus celulares.
Através das teclas do computador, o menino, hoje um simples professor que trabalha no mesmo colégio onde estudou e cujo caminho passava pelo antigo trevo, que não era tão movimentado, escreve sua crônica, invocando Cronus, o deus do tempo. O tempo que passa, o tempo que devora, o tempo que voa, o tempo que flui como o arroio que dá nome ao bairro, bairro hoje dividido em vários nomes, assim como são divididas as opiniões sobre o viaduto. O menino só segue o seu caminho, para casa ou para o trabalho. Um menino já não tão menino assim. É o tempo.
Cassionei Niches Petry – professor e escritor, autor de Desvarios entre quatro paredes, Editora Bestiário.
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