Traçando livros de hoje
Ensaios para ler sozinho
Em Como ficar sozinho (Companhia das
Letras, tradução de Oscar Pilagallo), temos excelentes exemplos de ensaios
literários, um gênero pouco cultivado no Brasil, onde se cultua, ou se
cultuava, muito mais a crônica. Seu autor, Jonathan Franzen, um dos principais
romancistas americanos, autor de As
correções e Liberdade, reúne textos
publicados em jornais e revistas, além de um discurso, que abre o volume, direcionado
a alunos de uma escola secundária.
“A dor não nos matará” foi escrito para a
cerimônia de formatura do Kenyon College. Franzen critica o “tecnoconsumismo”,
relacionado principalmente à aquisição de celulares modernos e às redes sociais:
“Um fenômeno relacionado a esse é a
transformação, graças ao Facebook, do verbo curtir, que deixa de
descrever um estado de espírito e passa a designar um ato que desempenhamos com
o mouse: deixa de ser um sentimento e vira uma opção de consumo. E curtir é, no
geral, o substituto da cultura comercial para amar.
No ensaio seguinte, no entanto, ele afirma:
“Não tenho nada contra novidades tecnológicas.” O que pode parecer
contraditório tem a ver com o pensamento ensaístico, forma literária não ficcional
que exprime as idiossincrasias do escritor, quando ele se expõe perante seu
público, pois é a sua opinião que está ali, não mais filtrada pelo narrador ou
pelas personagens.
O melhor ensaio da coletânea, “Mais
distante”, ao tratar da viagem que Franzen realizou para jogar parte das cinzas
do escritor e amigo David Foster Wallace numa ilha do Oceano Pacífico, discorre
brilhantemente sobre o gênero romance e o suicídio. O autor aproveitou para, no
caminho, reler Robinson
Crusoé, de Faniel Defoe, que se passa numa ilha:
“era o primeiro documento importante do individualismo radical, a história da
sobrevivência prática e psicológica de uma pessoa comum em perfeito
isolamento.” Seu amigo, um dos nomes mais importantes na literatura atual (a
Companhia das Letras vai publicar o genial Infinite Jest ainda
neste ano), havia se enforcado na garagem onde escrevia suas narrativas. Para
Franzen, DFW “talvez tivesse morrido de tédio e desesperança quanto a seus
futuros romances”, somados, claro, a problemas psiquiátricos, pois havia
deixado de tomar seus medicamentos para escrever melhor.
Outros temas são a doença do pai de Franzen,
que sofria do mal de Alzheimer; seu ódio à fumaça do cigarro, depois de durante
anos ter sido fumante inveterado; a falta de privacidade no modo de vida
americano; a ficção autobiográfica, dele e de outros autores, como Franz Kafka.
O último ensaio, sobre os contos de Alice
Munro, propõe uma pergunta: “Uma ficção pode salvar o mundo?” Como resposta,
Franzen diz que não, mas “talvez possa salvar nossa alma.” Sozinhos, lendo ou
escrevendo, nos colocamos no lugar do outro e aí percebemos que não há “O Mal”
no mundo, mas sim que somos nós “O Mal”.
Cassionei
Niches Petry é professor, mestrando em Letras e escritor,autor de Arranhões e outras feridas (Editora
Multifoco). Gosta de ficar sozinho. Escreve quinzenalmente para o Mix e mantém
um blog: cassionei.blogspot.com.
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