Traçando livros de hoje



O Traçando Livros, espaço no jornal Gazeta do Sul, caderno Mix, será agora publicado de 3 em 3 semanas. http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/402039-quem_pergunta_quer_saber/edicao:2013-04-17.html 

Quem pergunta quer saber

Filosofar é buscar dúvidas, não certezas. Ando traçando muitos livros de filosofia e encontro cada vez mais questões do que respostas. Como disse Francis Bacon, “se alguém começa algo com certeza, terminará com dúvidas; porém, se começar com dúvidas, conseguirá terminar com certeza.” Por isso o ponto de interrogação, não o ponto final, é o sinal que deveria aparecer com mais frequência nos livros que lemos.
Observe, caro leitor, a forma deste símbolo utilizado para marcar, no texto, uma pergunta: ? O que nos lembra sua forma? Uma hipótese foi levantada por um dos meus alunos, quando eu lecionava filosofia, depois que desenhei pessimamente o sinal no quadro negro: não seria a metade de um coração? Nesse caso, nossas perguntas surgem à medida que sentimos algum abalo emocional e precisamos encontrar respostas para nos acalmar. São indagações, portanto, que não necessitam de respostas racionais e são dadas por alguém que garante a certeza delas. “Siga determinado caminho e você vai se dar bem”. As religiões, os livros de autoajuda, palestras motivacionais e etc., são as fontes desse conforto.
Para quem busca conhecimento, no entanto, essas respostas não servem. Pode-se dizer que o ponto de interrogação tem a forma de um martelo amassando o ponto final, que representa nossas afirmações. A filosofia questiona as verdades estabelecidas e por isso é vista com maus olhos por alguns. Aceitar respostas prontas não é encontrar sabedoria.
Tentemos encontrar outros significados para o ponto de interrogação. Sua forma também é semelhante a uma orelha. Ora, quem pergunta quer ouvir. Filosofar, portanto, seria muito mais saber o que os outros têm a dizer e não afirmar suas próprias convicções. Como diz o senso comum, temos dois ouvidos e uma boca, para ouvir mais e falar menos (apesar de a boca ser maior). Sócrates, o filósofo por excelência, dialogava com seus alunos, fazendo perguntas e ouvindo as respostas e criou, assim, seu sistema de pensamento.
Pense agora, caro leitor, no ponto de interrogação de cabeça para baixo (¿), que aparece no início das frases interrogativas na língua espanhola. Não lembra um anzol de pesca? O filósofo é aquele que lança perguntas para pescar respostas. Acontece que elas estão submersas, escondidas sob a água. Não sabemos se vamos conseguir pescá-las, nem a quantidade, muito menos a qualidade. Nem sempre a resposta que buscamos nos satisfaz, às vezes é cheia de espinhos e não conseguimos engoli-la. Podemos descartá-la ou podemos prepará-la para ficar de acordo com o nosso gosto. Para ter os melhores peixes, o pescador procura os melhores lugares para pescar. E se os quer grandes, não pode usar um anzol pequeno e fraco.
Assim, quando queremos saber algo, devemos pesquisar onde encontrar as melhores respostas. Temos que mergulhar na leitura, analisar com profundidade o mar de informações que nos rodeia e não fazer afirmações sem fundamento, impondo uma determinada verdade. Mas também é necessário saber perguntar, pois só a qualidade da pergunta vai nos dar as melhores respostas. Se estou certo sobre isso? Não, ainda tenho dúvidas.
Cassionei Niches Petry é professor, mestre em Letras e escritor. Publicou Arranhões e outras feridas (Editora Multifoco). Escreve para o Mix e para o seu próprio blog, cassionei.blogspot.com, mas tem dúvida se deve continuar escrevendo.

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