Traçando Livros de hoje é sobre Fernando Monteiro
http://www.grupogaz.com.br/gazetadosul/noticia/436161-a_sombra_por_tras_da_cortina/edicao:2014-03-26.html
A sombra por trás da cortina
Conheci a obra do pernambucano
Fernando Monteiro pelas páginas da
extinta revista Bravo!, que abrigava os seus contundentes artigos e divulgou
seus primeiros romances. Foi a publicação de O grau Graumann, no entanto, em 2002, que me tornou um leitor mais
atento ao que ele escrevia, afinal, trazia como personagem o primeiro
brasileiro ganhador de um Prêmio Nobel, no caso de Literatura, Lúcio Graumann, que,
como se não bastasse, era gaúcho de Santa Cruz do Sul! Escrevi na época uma
resenha sobre o livro para o Variedades, página diária de cultura que foi
antecessora deste caderno Mix.
Em 2006, saiu o
romance As confissões de Lúcio, dando
continuidade ao que seria uma trilogia, interrompida, entretanto, segundo o
próprio autor me informou, pelo fim das atividades da editora Francis e porque
nenhuma casa editorial se interessou em publicar uma caixa com os três livros como
ele desejava. O terceiro volume ficou engavetado.
O mundo ficcional em torno de Lúcio Graumann
continuou sendo ampliado por Fernando Monteiro em outros suportes, como a sua
coluna no jornal literário Rascunho, através de contos e também entrevistas
fictícias. Nestes textos, aparece a figura de Alba de Céspedes, uma escritora
ítalo-cubana, que teria tido um relacionamento com Graumann e é mencionada em As confissões de Lúcio. Uma narrativa
escrita por ela, O anelante, é lida
pela protagonista de O livro de Corintha (Companhia editora de Pernambuco, 117
páginas), mais recente romance de Monteiro e, segundo ele, o derradeiro de sua
carreira. Também no Rascunho surgem algumas notas que nos remetem a essa obra e
que revelam que O livro de Corintha
seria um romance inacabado de Graumann e se chamaria A intrusa na sombra, título que seria do terceiro livro da trilogia
de Monteiro.
A trama se inicia
com a chegada de Corintha Arnauld à casa de um escritor cego, Methódio Guerreiro,
contratada para trabalhar como datilógrafa no novo projeto do autor, uma
história em que um voyeur observa com
uma luneta uma mulher em outro apartamento e passa a escrever sobre o que vê. Corintha,
por sua vez, passa também a relatar ao seu patrão os livros que leu e essas
histórias vão aparecendo e desaparecendo como se fossem abrindo cortinas ou
derrubando véus que escondem sem esconder e revelam sem revelar verdades das
personagens: “Há tantos pequenos mistérios em torno de uma vida sem mistério
algum, numa janela aberta para a curiosidade, quando ela se abre, é claro, sem
cortinas para a visão de rotinas suaves ou agitadas, tensas ou calmas, das
mulheres sozinhas ou das casadas, que se tocam e não se tocam (...).”
O leitor vai
empurrando as cortinas, tentando penetrar na obra, mas novas cortinas vão
surgindo e nada é revelado. Sentimo-nos como Methódio, não enxergamos um palmo
a nossa frente, mas vemos pelos olhos de Corintha, que nos desvia do caminho,
ela mesmo dando novos rumos para a narrativa que datilografa. Resta-nos a
sombra por trás destas cortinas. Uma intrusa. Seria a própria literatura?
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