As feridas que um filme pode nos provocar
É difícil escrever
algo sobre uma obra de arte que te dá uma porrada tão forte, que te deixa tonto
por um tempo. Assistir a um filme como “O
substituto” (no original é “Detachment”, mas gostei do
título em português, depois explico o porquê), do diretor Tony Kaye (de A
Outra História Americana), me fez dar murros na mesa
do computador (sim, confesso o sacrilégio de tê-lo assistido via Youtube),
pensar “fiadamãe, o que este filme está fazendo comigo?”, depois segurar o
choro e agora dizer, movendo os lábios devagar, “p#%@-que-pa-riu”.
Um professor
substituto, Henry Barthes, interpretado de forma magistral por Adrien Brody (de O pianista), chega a uma escola onde vai
lecionar por um tempo. Na primeira aula, enfrenta dois alunos rebeldes (prefiro
dizer pseudo rebeldes), sendo que expulsa um deles (por ter ofendido uma menina
obesa, Meredith, que terá um papel importante durante o
enredo), mas mantém na sala o outro aluno que jogou a pasta do professor de
encontro à porta e disse palavrões. Pois o desconfiado aqui pensou, “pronto,
mais um daqueles filmes em que o professor consegue reverter a situação de uma
sala de aula problemática e todos vão viver felizes para sempre e a mensagem é
que os alunos são todos bonzinhos e é o professor que tem que mudar seu
comportamento, etc, etc.” Não é o que acontece, apesar de o professor conseguir
o respeito e a admiração dos alunos, porém isso fica em segundo plano, quase
não aparece na história. E logo na resposta que o Henry dá a Meredith após o episódio,
sobre o motivo de ele ter agido de tal forma, levei a primeira bordoada. Quase
sou nocauteado no primeiro round.
Entretanto, me recuperei e fui adiante.
Há o desencanto dos
demais professores pela sua profissão, mas que seguem, ou porque gostam, ou
porque não sabem fazer outra coisa, ou por que se entopem com remédios, ou
porque sim. Uns se sentem invisíveis, outros apenas vivem, se conformam, estão acostumados,
como diz Barthes à aluna. Aguentam as mães que chamam as professoras de vadias,
cuspidas na cara, ofensas e tudo mais. É o sistema que desmorona, como a casa
de Usher do conto de Edgar Alan Poe, e não fazemos nada.
Outras pancadas?
Barthes encontra uma prostituta menor de idade que o aborda na rua para um “programinha
barato”. Ele nada faz com ela, mas a leva para casa, trata de seus ferimentos
provocados pela violência com que era penetrada por outros homens, cuida dela fazendo
o papel de pai que ela não tinha e ele também não. Henry também a todo instante
se lembra de sua mãe, que se suicidou depois de ser violentada pelo próprio
pai, o avô que ele agora visita numa clínica geriátrica. O professor cuida dos
outros, dos alunos, da menor prostituta, de seu avô abusador, da aluna obesa
cujo pai não a incentiva e a põe cada vez mais no chão. Barthes, no entanto, não
consegue cuidar dele mesmo. Vive só, triste, amargurado e por isso decide ser
apenas um professor substituto. Ele substitui o papel que deveria ser de outros,
mas não sabe qual o seu papel.
Há muitas e muitas
porradas que vamos levando no decorrer do filme. Não vou mais enumerá-las para não
estragar as surpresas de quem ainda não assistiu. Se quer ver esse filme, caro
leitor, o faça, por sua conta e risco, porém não vou cuidar de seus ferimentos
depois.
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