No Traçando Livros de hoje, "Rio dos dias", de Rudinei Kopp
Minha coluna no caderno Mix do jornal Gazeta do Sul, trata do primeiro romance de um autor local que pede passagem, Rudinei Kopp.
Tinha um rio no meio do caminho
Cassionei Niches Petry
“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela
minha aldeia”, dizem os famosos versos
de Fernando Pessoa. Em minha “aldeia”, a cidade de Santa Cruz do Sul, há um rio,
o Pardinho, que não é belo e não tem, no imaginário local, a importância de um
Tejo, um Sena, um Guaíba (que não é rio). Na narrativa de estreia do professor
santa-cruzense Rudinei Kopp, Rio
dos dias (Editora Gazeta, 122 páginas), são as valetas, os córregos, as
sangas, os arroios que cortam a cidade, a céu aberto ou canalizados, metáforas
que conduzem o enredo.
O protagonista é
Grass, que decide voltar para sua cidade natal em busca de uma antiga colega
com quem acaba se envolvendo. Ela se encantou com os desenhos de peixes que ele
fazia. Porém, os dois acabam deixando de se encontrar e ela não atende o
telefone. Não a acha nem mesmo navegando pelos rios das redes sociais. Desiste de
encontrá-la. “Deixava-se sofrer e movia-se automaticamente. Seguia a corrente,
sem oferecer resistência.” Peixe morto, no entanto continua desenhando e
pintando peixes, principalmente lambaris, o que atrai a atenção de uma gerente
de loja de decoração, que dormiu uma noite com ele em sua casa e viu o material
jogado no chão. Ela passa a pagar pelo trabalho, tornando-se sua merchand.
Ao comprar um carro,
resultado de sua nova atividade, Grass começa uma amizade com Polaco, dono de
uma agência de automóveis, personagem pouco usual na nossa literatura, segundo
afirma o escritor chileno Antonio Skármeta numa nota na quarta capa do livro.
Mais pragmático do que Grass, o empresário investe no negócio, reforma a loja,
cria atrativos para os clientes. No rio do empreendedorismo, Polaco é o peixe
que sempre nada olhando para frente. Grass, por sua vez, se contenta com o
trabalho de funcionário público, sem visibilidade nenhuma, bem como não aceita que
seu nome seja associado aos seus peixes que se tornam moda nas gravuras que
estampam as construções de casas ricas na cidade e até fora dela. Como os gnus
das savanas africanas, ele e as pessoas que o rodeiam, segundo o narrador,
movem-se sem saber o motivo. “Seriam seres vivos com o único propósito de
abastecer uma cadeia alimentar.”
As personagens
percorrem as ruas de Santa Cruz como quem navega em um rio. Os arroios e as sangas,
no entanto, são obstáculos que devem ser superados para que o menino/homem
Grass encontre sua amada. Os córregos depois vão sendo pouco a pouco
canalizados em nome do progresso e da saúde da população. Neles cai o esgoto da
cidade e, consequentemente, simbolizam a podridão de seus moradores que é
jogada sob o tapete.
Não sei se era
intenção do autor, mas o título, Rio dos
dias, me pareceu ambíguo. O substantivo pode ser um verbo. O narrador ri
dos seus personagens, ri do tempo que corre, ri até das tentativas que o
resenhista faz para entender as metáforas que percorrem a história. Ri do
leitor que, depois de ler o final, recomeça a leitura para reorganizar tudo o
que havia pensado no início. É uma das coisas que espero da boa Literatura, com
L maiúsculo. Rudinei Kopp cumpriu esse quesito.
Cassionei Niches Petry é professor, mestre em Letras. Autor
de Arranhões
e outras feridas (Editora Multifoco) e Os óculos de Paula, que será publicado brevemente. Escreve
regularmente para o Mix e mantém um blog, cassionei.blogspot.com.
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