Os Quasímodos e seus celulares
Uma ilustração compartilhada
nas redes sociais da internet mostra um jovem sozinho descendo uma escada
rolante de um shopping enquanto lê um livro. Na escada ao lado, uma fila de
pessoas, representadas apenas pelas suas sombras, sobe com os olhos vidrados em
luminosas telas de aparelhos celulares, sendo que apenas uma desvia sua atenção
e olha, talvez com espanto, para o jovem que lê e segue o sentido contrário. A
legenda sugere para desligarmos o celular e lermos um livro.
A imagem é apenas
uma representação do que presenciamos no nosso cotidiano, em família, roda de
amigos, local de trabalho, sala de aula, dentro de carros, elevadores, em praças,
shows, etc. Como um Quasímodo, o Corcunda de Notre Dame, indivíduos se debruçam
sobre pequenas telas e movimentam freneticamente seus dedos, ou então entram em
desespero para tirar de suas bolsas o objeto, caso ele emita um sinal indicando
uma mensagem. Nada é mais importante nesse momento do que acessar o mundinho
guardado no aparelho celular. Parem o mundo, pois o grupo no “WhatsApp” é mais
importante, a curtida no “Facebook” é minha salvação, o vídeo do momento
precisa ser compartilhado agora!
O adepto e viciado
por estes objetos, porém, vai dizer que o garoto que aparece na imagem também
está debruçado sobre um objeto retangular e parece esquecer o mundo ao seu
redor. Que esse objeto conta apenas uma história, não tem imagem, não tem possibilidade
de apertar um botão para “curtir”, não pode ser compartilhado com os amigos.
Que o leitor também parece um zumbi na frente do livro.
Tem razão, em parte.
O livro também nos transporta para um mundo virtual, porém nos faz refletir
sobre o nosso mundo real. A leitura aprofundada nos apresenta a condição humana
de uma forma que não percebemos através de visualizações rápidas de imagens “bonitinhas”,
“edificantes”, que fazem apenas rir, ou frases vazias e pré-fabricadas, na
maioria das vezes com erros de ortografia.
A superficialidade
das redes sociais e da tela do celular serve apenas como distração, o que é
válido em determinados momentos. É bom rir com alguma bobagem de vez em quando.
O problema está na recorrência, no seu uso em horas inoportunas: no tempo
perdido do aluno que em uma aula não aprende o conteúdo transmitido pelo
professor; no momento em que a mãe perde o sorriso do seu bebê porque está
vendo vídeos de outros bebês sorrindo no “smartphone”; no silêncio do grupo de
amigos da mesa do bar, pois estão conversando com outras pessoas através dos
seus aparelhos; quando um homem e uma mulher se cruzam na rua e poderiam se olhar
e se apaixonar, mas estão trocando mensagens em uma rede social em busca de um amor
virtual que talvez não se concretize.
Estamos ficando,
sim, imbecis, no momento em que um texto mais complexo é menos relevante que um
simples, no momento em que uma pintura de Van Gogh tem menos “curtidas” do que
a “selfie” da “funkeira” e seu “popozão”,
quando a música clássica é ouvida apenas em comercial de perfume.
O jovem que lê um
livro, um bom livro, é o Quasímodo que admira a beleza da cigana Esmeralda e
não a feiura da tela do aparelho celular.
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