Uma resenha que não aconteceu
Terminei a leitura de Os invernos da ilha, de Rodrigo Duarte
Garcia (Record, 462 páginas), já pensando em escrever uma resenha crítica,
apontando alguns pontos positivos e outros negativos do romance. Antes de pôr a
mão na massa, porém, entrei nas redes sociais e fiquei sabendo que a coluna do
Raphael Montes, em O Globo, apontava a obra do Rodrigo como popular, para se
divertir, e então desanimei.
Acontece que há um equívoco tremendo por parte de alguns
autores e leitores de literatura de entretenimento quando afirmam que
literatura policial, de mistério ou de aventura (em que se encaixaria Os invernos da ilha) são desprezados
pela crítica. Este é o tom do texto de Raphael Montes. Ele e tantos outros se
equivocam ao dizer que Rubem Fonseca, escritor já canonizado e que é objeto de
estudos até em livros didáticos, não tem o reconhecimento que merece porque é
taxado por fazer literatura menor. Ledo engano ou uma tentativa forçada de se
colocar como vítima.
Ora, a “crítica” (coloco entre aspas porque não há uma
homogeneidade no pensamento de quem a pratica hoje em dia) não reconhece a má
literatura e ponto. Se essa má literatura acontece de ser de gênero (como a
ficção científica ou a fantasia, além das outras citadas), ela será desprezada se
não se preocupar com a forma, com a escolha de palavras, com a elaboração artística
e se utilizar uma linguagem adolescente (no caso de uma ficção que se pretende
adulta) e com enredos forçados, com cenas patéticas e inverossímeis (o crítico Júlio
Nogueira, no meu blog, apontou alguns desses defeitos em um romance de Raphael
Montes). Isso pode, diga-se, acontecer com qualquer outro tipo de texto
literário. No entanto, se há preocupação com a linguagem, acrescentando-se aí
um rol de referências intertextuais, podemos estar diante de uma literatura com
L maiúscula. É o que acontece com Os
invernos da ilha, em que pese alguns pequenos escorregões.
Há uma carga simbólica na narrativa de Rodrigo Duarte Garcia
que não vai ser captada pelo leitor que busca apenas se divertir (Wagner Schadeck
escreveu sobre estas camadas de leitura de forma brilhante na sua resenha do romance para o site Amálgama). Suas referências literárias, históricas e
filosóficas, a começar pelos sobrenomes das personagens, idem. O apuro da linguagem denota um escritor que
domina o ofício, salvo em alguns diálogos com as personagens adolescentes, que
não me soaram bem. O autor segue também uma linhagem de grandes escritores de
viagens, que abordaram histórias no mar, em ilhas e busca de tesouros, o que
aliás seria a linha que conduziria inicialmente a minha resenha, inspirada na
coluna de Miguel Rodríguez Rivero no suplemento Babelia, do jornal El País, da
Espanha, no último sábado, sobre a chamada “Beach Reading”, a “leitura de praia”. É uma obra, portanto,
que não ilustraria muito bem os conceitos do artigo citado.
Infelizmente, essa é uma resenha que não aconteceu, fruto
das circunstâncias e também da preguiça mental deste escriba e professor num
final de semestre cansativo. Os invernos
da ilha, porém, merece a leitura, e uma leitura atenta, não um mero
divertimento. Achar que romance de aventura não pode ser hermético é o
verdadeiro preconceito.
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