Meu texto na Gazeta do Povo, blog do Gustavo Nogy
Criticar também é fazer literatura
por Cassionei Niches Petry
O senso comum diz que “quem critica é quem não sabe fazer”. A
velha analogia com o eunuco no harém também é repetida. Para mim, no entanto, a
crítica literária, assim como qualquer tipo de crítica, é sempre válida. O
crítico pode não escrever uma obra literária de qualidade. Como leitor, porém,
e leitor que deve ler muito, ele sabe quando a obra é boa ou não. Conhece os
mecanismos, sabe comparar os novos com os velhos livros. Quem desqualifica seu
trabalho, só o faz quando o crítico escreve verdades que incomodam.
O crítico também erra, lógico. Só erra, entretanto, quem se
arrisca a escrever sobre alguma obra inédita, quando aposta em um autor
desconhecido e foge do conforto de escrever sobre algo que está consolidado. O
crítico ousa pensar diferente e também tem suas preferências, que podem não
coincidir com as de um leitor comum ou com as de um outro crítico.
Não se pode, no entanto, dizer que o crítico não é
importante, que sua opinião é dispensável. Em prefácio à série Pontos de vista, o saudoso Wilson
Martins afirma que a figura do crítico faz parte do ele chama de “triálogo”,
junto com o autor e o leitor, fechando um circuito literário, sendo que “são
entidades nominalistas, não pessoas reais (...) nas quais a literatura
simultaneamente se hipostasia”, ou seja, se fundamenta, confere realidade à
ficção.
O senso comum também atribui à crítica a característica de
destruir uma obra. Equivoca-se. A crítica é a análise que julga, e esse julgamento
pode ser positivo ou negativo (escrevi muito mais críticas positivas do que
negativas, diga-se). Quando Gustavo Nogy me convidou (sou Cassionei Niches
Petry, professor de Literatura e escritor nas horas vagas, muito prazer) para
escrever no seu blog aqui no jornal Gazeta do Povo (me convidou num dos dias da
festa momesca, não sei se embriagado, mas agora é tarde para se arrepender),
frisou que eu poderia falar bem ou mal de qualquer livro (menos falar mal do
livro dele, claro). É esse o espírito deste espaço. Ler, analisar, compartilhar
minhas impressões sobre a leitura, sublinhar referências e dizer se afinal o
livro vale a pena ser lido.
Álvaro Lins, no seu Jornal
de Crítica, escreveu que o “ato da crítica é aquele que completa,
que retifica, que amplia. O que abre
perspectivas, o que desdobra situações.” Nesse sentido, o crítico se torna, da mesma
forma um criador, que “vem da possibilidade de levantar, ao lado
ou além das obras dos outros, ideias novas, direções insuspeitadas, novos
elementos literários e estéticos,
sugestões de bom gosto, sistematizações, esquematizações, quadros de valores.
Crítica num tríplice aspecto: interpretação, sugestão, julgamento.”
Por isso encaro a crítica como
elaboração literária, uma recriação artística, em que pese o caráter racional
da análise. Christopher
Domínguez Michael, temido crítico mexicano, disse que não se pode furtar dos
ensaístas como Cioran a denominação de escritor, só porque não escreve conto,
romance, poesia. Fazer crítica literária é também
fazer literatura. É o que pretendo realizar neste espaço, até quando o seu dono
e os leitores suportarem.
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