"Professor, assassino de leitores", minha crônica no jornal Gazeta do Sul de hoje
Professor, assassino de leitores!
Volta e meia me deparo com algum texto, principalmente no
cipoal imenso que é a internet, atribuindo à escola a responsabilidade pelo
jovem gostar ou não de literatura. Geralmente cai na conta do professor essa
culpa. Por quê?
Ora, ele obriga a leitura de livros (oh, seu criminoso!),
mostra autores clássicos cuja linguagem está distante do aluno (oh, onde já se
viu ler coisas com palavras desconhecidas?), tem a audácia de ensinar escolas
literárias de épocas distantes (oh, dinossauro!), diz que um escritor do século
XIX é melhor escritor do que John Green (que pedantismo!), pede avaliação do
conteúdo proposto (mas a literatura não é liberdade?), faz o aluno analisar
textos literários em vez de apenas os ler sem compromisso e adquirir, assim, o
gosto pela leitura (mas que professor chato!).
Já chamei a mim mesmo de assassino de leitores várias vezes,
mas com justificativas para sê-lo. A questão básica para mim é que um leitor
será leitor independentemente do seu professor. Se ele não gosta de literatura,
não vai gostar só porque o professor solicitou uma leitura mais palatável,
atraente, jovem, contemporânea. Bem pelo contrário. Se o professor pediu, na
cabeça do jovem, é porque isso não é bom. Vou dar um exemplo pessoal.
Havia um aluno no 7º ano que adorava ler literatura de
fantasia, aventura, tipo Senhor dos anéis.
Dizia para ele que continuasse lendo e sugeri outro livro que seguia a mesma
linha e ainda não havia sido traduzido no Brasil, mas do qual eu tinha tomado
conhecimento pela tradução espanhola. Não se interessou nenhum pouco pela minha
sugestão. Reencontro-o três anos depois e qual não foi minha surpresa ao vê-lo
lendo o livro. Questionei se ele se lembrara da minha dica e respondeu que não,
claro. A obra em questão era a série Crônicas
de gelo e fogo, de George R. R. Martim, febre entre os jovens e nem tão
jovens leitores, principalmente depois da adaptação para uma série de TV.
A função da escola, salvo nas séries inicias, não é criar o
gosto pela leitura, mas sim instruir os alunos para se tornarem bons leitores
de qualquer tipo de texto, não apenas daqueles que os agrade. Se é para trazer
para a sala de aula apenas autores de interesse da gurizada, qual o sentido da
escola e da aula de literatura? Na escola deve-se aprender o diferente, aquilo que
talvez o aluno jamais conhecesse fora da sala de aula, deve aprender o que a
humanidade já criou no âmbito da cultura, mesmo se isso não for do interesse do
jovem. Se a escola abdicar disso, como propõem os “entendidos” em educação, ela
deixa de ter sentido e deve ser fechada. Se é isso que desejam...
Comentários