O conto é um gênero literário que...



Insisti na leitura de Carne crua (Nova Fronteira, 144 páginas), mais recente livro de contos de Rubem Fonseca, para fazer justiça a um dos nossos grandes escritores. Mas é difícil. Na minha primeira tentativa, não passei dos três primeiros contos (o terceiro, “Aparecida”, é na verdade um poema narrativo, péssimo por sinal, escrito em versos só para ocupar mais espaço). Agora fui até o final, com muito esforço, usando da empatia, me colocando no lugar do escritor, veterano, que não precisa provar nada para ninguém, simplesmente escrevendo, sem se preocupar com a elaboração e desenvolvimento de enredo, enfim. Tem que ter um propósito tudo isso. Mas é difícil engolir.

A impressão que dá ao ler os contos é que Rubem Fonseca quer rir da nossa cara. Só pode. Não há outra explicação. É um escritor que está nos enganando, talvez pensando “tudo que eu escrever meus fãs vão gostar, vão achar genial, vão dizer veja, é o velho Rubão, mesmo que eu apenes insira umas frases a meu estilo no meio de citações de conhecimento geral retiradas da internet, mesmo que não desenvolva uma história com início meio e fim, quero, então, só me divertir!”

E ele consegue arrancar elogios de leitores e de alguns críticos, que fazem malabarismos para enxergarem realmente o velho Rubão no novo livro. É carência de novos bons escritores? Talvez. E olha que não são apenas medianos os contos de Carne crua: são péssimos mesmo. Se resumi-los, conta-se tudo, tirando, claro, as longas citações. “Ah, mas ele sempre fez citações nos seus melhores textos!”, me diz o fã mais ardoroso, e eu respondo sim, mas com parcimônia, equilíbrio, trechos que provocavam as interpretações, não era nada gratuito. Nos textos atuais é o contrário.

Os diálogos também são pobres, muito pobres, nem parece o mesmo autor de “Feliz ano novo”, cujos diálogos eram monumentais. No primeiro conto, “A praça”, temos este apenas este diálogo:

Naquele dia, no botequim, enchi-me de coragem, e quando Odete trouxe o café eu disse “meu nome é José”.
Ela sorriu. Um sorriso lindo.
“O meu é Odete”, ela disse.
“Era o nome da namorada do Fernando Pessoa”, eu disse.
“É o meu poeta favorito”, disse Odete. “O poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.”

Alguns finais dos contos são constrangedores, como em “Amor e outros prolegômenos”:

Quando cheguei em casa minha mãe me recebeu na porta dizendo:
“Hoje temos uma convidada para o almoço.”
Na sala de visitas, sentada, estava minha Maria.
“Ela disse que gosta muito de você, mas é tímida e tinha medo de se declarar”, disse minha mãe.
Estou namorando a Maria. Estamos muito felizes.

Não há como reconhecer o mesmo escritor de "Passeio noturno".

Há personagens ridículos, como o narrador de 25 anos que queria ver um boceta ao vivo e precisa de dois “contos” curtos (sim, os contos “Boceta” e “Boceta – parte 2”) para alcançar seu sonho (no primeiro ele praticamente só cita as informações que encontrou sobre a vagina na internet), ou o rapaz que gosta de comer carne crua (conto que intitula o livro) e pede para uma madame para cuidar do Rottweiler dela (não sem antes ouvir da senhora uma aula da senhora em linguagem da Wikipédia sobre as origem dessa raça) só para comer a carne do animal e depois a da própria dona. Isso tudo contado sem nenhuma tensão, necessária para causar um impacto no leitor.

E seguem os demais contos, todos, todos com explicações enciclopédicas de termos, palavras, servindo tão somente para encher linguiça, que é um termo popular que significa... ops, acho que isso pega. Aliás, em “Nada de novo” (conto que retoma o personagem do romance O seminarista), o próprio narrador assume e faz uma autocrítica da sua lengalenga enciclopédica: “Se essas minhas palavras fossem de um livro de ficção diriam que eu estava ‘enchendo linguiça’”. Em “Diarreia”, médicos leem longas explicações sobre uma doença e sobre a homeopatia para um paciente. Já “Feitiço”, abre com este parágrafo, e com isso acho que basta para demonstrar o que considero como algo sem noção feito pelo Rubem Fonseca:

 Ela era alemã, e seu nome era Maria. Esse é o nome de mulher mais comum no mundo. Maria é grafada dessa maneira em português, latim, espanhol, galego, italiano, catalão, alemão, sueco, norueguês, ocitano, islandês, sardo, romeno; às vezes muda uma ou duas letras finais, como Mary, em inglês, Marie em holandês, Maren em dinamarquês, Mari em galês, Marija em servo-croata, Mari em esloveno e albanês, Marika em húngaro, Maryen em turco, Malia em havaiano…

Se for para ler Rubem Fonseca, fuja deste e de outros livros recentes dele. Procure os contos (o conto é um gênero literário breve, mais curto do que a novela, que por sua vez é um gênero literário também breve, porém menor em extensão do que o romance que é uma narrativa longa) dos anos 60 e 70, época da Ditadura Militar, período da História brasileira em que... putz, será que peguei o vírus RB?

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