“Tempo de homens partidos”


Meu texto no jornal Gazeta do Sul de hoje.


"Não ter nunca a oportunidade de tomar partido, de decidir-me ou de definir-me: não há desejo que tenha com mais frequência”, escreveu o filósofo romeno Emil Cioran, em História e utopia. Nos últimos anos, a ideia de ter um lado parece ser uma necessidade para muitas pessoas. Na verdade, sempre foi assim, mas as redes sociais ampliaram a sensação, inclusive com um “patrulhamento” mais efetivo. Ai daquele que for “do outro lado” ou então que não se define por um ou outro, pois quem se declara isento está na verdade do lado adversário!

Amizades cortadas, “blocks” nas redes sociais, cara feia no ambiente de trabalho, puxadas de tapete, portas fechadas, tudo pode ser motivado por questões políticas e ideológicas. Já senti na pele isso. Por ter criticado um dos lados do muro e seus líderes, fui xingado e bloqueado em redes sociais na internet por alguns ex-professores e escritores que admirava (e continuo admirando) pelo trabalho e capacidade intelectual. Consequentemente, possibilidades de trabalho como professor me foram cortadas, tendo em vista a forte influência e inclusive cargos que esses profissionais ocupam. Além disso, sei de fontes seguras que nas mensagens privadas e grupos fechados da internet, além de conversas em outros ambientes, como a sala de professores, meu nome já foi mencionado de forma negativa. Não adianta nem dizer, como o personagem Pierre Bezúkhov, de Guerra e paz, de Liev Tolstói, que “opiniões são opiniões, mas vocês estão vendo como sou um rapaz bom e simpático”, pois é um crime não seguir o pensamento (dito plural e democrático) dessa massa de intelectuais, professores e artistas.

“Meu partido é um coração partido”, cantou Cazuza na música “Ideologia”, lembrando ainda que suas ilusões foram todas perdidas. Corações, amizades, relacionamentos, tudo é partido por causa dos partidos. As pessoas se separam, se dividem, brigam, discutem, enquanto os partidos políticos se unem em busca de poder e seus líderes utilizam seu fanáticos militantes como títeres ou então como bonecos de ventríloquo, usados para repetir sem pensar e sem discutir ideias prontas, palavras de ordem e velhos argumentos de ideologias do passado e que fracassaram.

“Este é tempo de partido, / tempo de homens partidos”, escreveu Carlos Drummond de Andrade, 40 anos antes de Cazuza, quase 80 anos antes da nossa época. Passam-se os anos e continuamos nos dividindo. Muros nos separam, portões se fecham, pontes caem. Como tenho uma visão trágica da vida, grito aqui de cima do muro, como se estivesse no palco de um teatro grego, sem esperança no ser humano: “Ai de mim! Ai de nós!”

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