"Frankenstein' na minha coluna de hoje no Jornal Arauto
O conhecimento tem
limites?
“Frankenstein ou o Prometeu moderno”, de Mary Shelley
(Zahar, 248 p., tradução de Santiago Nazarian), é um daqueles clássicos que
todo mundo acha que conhece, mesmo sem tê-lo lido. Ledo engano. Há quem pense
que o nome da criatura dá título ao romance, que essa mesma criatura é um ser
desengonçado, que não consegue nem caminhar direito, ou até que ele é bonzinho.
No nosso imaginário coletivo, conhecemos, na verdade, a figura imortalizada no
cinema, depois desenhos e histórias em quadrinhos ou adaptações para um público
jovem.
O título na verdade, se refere ao cientista Victor
Frankenstein, um jovem estudante que, a partir de leituras de livros de
alquimia e estudos sobre o galvanismo (que é gerar movimentos em um ser
inanimado a partir de estímulos de eletricidade), consegue criar um ser
juntando restos de cadáveres. Logo, porém, se arrepende, ao se deparar com sua
criação tão monstruosa e a abandona.
A história começa a ser contada com as cartas de outro jovem
estudante, Robert Walton, que relata a sua irmã o encontro com o ser nas terras
geladas do Polo Norte e depois com o Victor, que perseguia sua criação e que,
por sua vez, narra tudo o que aconteceu para o jovem, inclusive reproduzindo as
palavras do próprio monstro, revelando como aprendeu a sobreviver e depois falar
e ler, tornando-se culto em pouco tempo, além do seu projeto de vingança contra
o criador que, além de o abandonar, se recusou a criar uma mulher para tirá-lo
do solidão: “Ainda assim, tu, meu criador, detestas e rejeitas a mim, tua
criatura, a quem estás preso por amarras que apenas a aniquilação de um de nós
pode dissolver. Pretendes me matar. Como ousas divertir-te assim com a vida?
Cumpre teu dever em relação a mim, e cumprirei o meu em relação a ti e ao
restante da humanidade.”
O subtítulo, “o Prometeu moderno”, faz referência ao titã da
mitologia grega que, misturando terra e água, criou o primeiro homem. Nas
palavras de Thomas Bulfinch, em “A idade da fábula”, “deu-lhe o porte ereto, de
maneira que, enquanto os outros animais têm o rosto voltado para baixo, olhando
a terra, o homem levanta a cabeça para o céu e olha as estrelas”. Além disso,
Prometeu, desafiando Zeus, roubou o fogo, exclusivo dos deuses, e o entregou
aos homens, por isso foi punido. O fogo, aqui, pode representar o conhecimento,
vedado aos mortais. “Quando algo é proibido, desejamos”, diz uma personagem, a
mulher de Bath, de “Contos da Cantuária”, de Geoffrey Chaucer (citada aqui a
tradução de José Francisco Botelho). Victor Frankenstein, por sua vez, tentou
saber cada vez mais e se igualar a Deus com sua criação. No entanto, ele mesmo alerta
a Walton, que também buscava sabedoria: “Aprenda comigo – se não por meus
preceitos, ao menos pelo meu exemplo – quão perigosa é a aquisição de
conhecimento e quão mais feliz é o homem que crê que sua vila natal é o mundo,
do que aquele que aspira tornar-se maior do que sua natureza permite.”
“Há coisas que não devemos saber? Pode alguém ou alguma
instituição (...) propor seriamente algum limite para o conhecimento?”,
pergunta o crítico Roger Shattuck em seu livro “Conhecimento proibido”, em que
também analisa o romance de Mary Shelley. Obras de arte como “Frankenstein” nos
fazem, pelo menos, refletir sobre o tema e querer saber mais. Como diz o
próprio “monstro”, depois de começar a aprender: “Oh, que natureza estranha é o
conhecimento! Uma vez que alcança a mente, se prende a ela como limo na rocha.”
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