Na minha coluna no Jornal Arauto deste fim de semana, Samanta Schweblin
É SOMENTE UM
BRINQUEDINHO INOFENSIVO...
A escritora argentina Samanta Schweblin, no romance “Kentukis” (Literatura Random House, 224 páginas, também disponível em e-book), publicado em 2018 no mundo hispânico e ainda sem tradução por estas bandas, traz para a literatura uma temática parecida com a abordada na maioria dos episódios da série “Black Mirror”: a exposição da privacidade por meio de aparelhos de alta tecnologia. Assim como nos episódios da produção da Netflix, não estamos diante de histórias de ficção científica, como pode parecer num primeiro momento, mas sim de terror, provocado não pelas máquinas, mas por quem as controla.
A escritora argentina Samanta Schweblin, no romance “Kentukis” (Literatura Random House, 224 páginas, também disponível em e-book), publicado em 2018 no mundo hispânico e ainda sem tradução por estas bandas, traz para a literatura uma temática parecida com a abordada na maioria dos episódios da série “Black Mirror”: a exposição da privacidade por meio de aparelhos de alta tecnologia. Assim como nos episódios da produção da Netflix, não estamos diante de histórias de ficção científica, como pode parecer num primeiro momento, mas sim de terror, provocado não pelas máquinas, mas por quem as controla.
Os kentukis são
bichinhos de pelúcia com câmeras e microfones acoplados e que, como os tamagotchis,
brinquedinhos virtuais famosos nos anos 90 (relançados recentemente, mas sem
grande repercussão), servem como mascotes dos seus “amos”, tomando o lugar dos
bichos de estimação. Coelhinhos, toupeiras, dragões, corujas e outros
animaizinhos, acompanham seus donos pela casa e respondem a algumas ordens, mas
sem poder se comunicar. Quem controla os movimentos é um desconhecido usuário
de outra parte do mundo com um tablet, através do qual vê e ouve tudo o que
acontece na casa onde está o mascote. Há quem escolha “ser” um kentuki e
há quem deseja ter um em casa.
O romance é
composto por diferentes histórias paralelas, que vão se desenvolvendo de forma
intercalada ao longo do livro. Não há, portanto, um protagonista apenas, assim
como os ambientes são muitos: uma casa de um casal peruano, um apartamento na
Alemanha, um lugarejo na fronteira do Brasil com a Venezuela onde há mais
cabras que pessoas, etc.
Os personagens são
envolvidos nesse jogo virtual que tanto pode ser inofensivo como pode ser
perigoso. No primeiro capítulo, por exemplo, que serve como uma espécie de
prefácio, garotas expõem seus corpos ao animalzinho controlado por um sujeito
com más intenções. Essas personagens não retornam no decorrer da narrativa. O
capítulo, portanto, serve para dar o tom do que podemos esperar daqui por
diante.
Vamos acompanhar
então o pai que não imagina que seu filho possa estar sendo vigiado por um
pedófilo. Ou a mulher que controla um kentuki com seu tablet
observando sua ama ser roubada por um namorado e não sabe como alertá-la. Por outro
lado, um kentuki pode ajudar seu dono a lembrar-se da hora da
remédio e outro pode proporcionar que seu amo conheça lugares diferentes ou
faça com que um solitário se sinta menos só. Tudo depende, portanto, de quem
está do outro lado. E nunca se sabe quem pode estar lá.
O
crítico literário J. Ernesto Ayala-Dip escreveu, no suplemento Babelia no
jornal El País, da Espanha, que “Kentukis” não é somente “uma alegoria sobre a dependência do homem
contemporâneo com os dispositivos tecnológicos que o cercam. É sobre isso,
obviamente. Mas também é um argumento contra a excitante e agradável alienação
que nos damos”. É a arte nos fazendo refletir.
Autora do livro de contos “Pássaros
na boca” (lançado aqui no
Brasil pela Editora Benvirá), e “Siete casas vacías” (ainda
sem tradução), e do premiadíssimo romance “Distância de resgate” (traduzido pela Editora Record), Samanta
Schweblin vem se consolidando como um dos grandes nomes da literatura da
Argentina, país que já nos deu Borges e Cortázar, entre tantos
outros.
Leia aqui a resenha sobre "Pájaros en la boca" e aqui a resenha sobre "Siete casas vacías".
Leia aqui a resenha sobre "Pájaros en la boca" e aqui a resenha sobre "Siete casas vacías".
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