Entrevista com o impostor E. Vila-Matas
por Cassionei Niches Petry
CNP: Preferiria não
fazer a primeira pergunta sobre Bartleby
e companhia, que a Editora Companhia
das Letras está reeditando.
EVM: Preferiria não respondê-la também.
CNP: Muitas vezes o
senhor assina seu nome de forma abreviada, E. Vila-Matas. Ao contrário, lê-se
“Satam Alive” e as quatro primeiras letras formam a palavra “Evil”. Como
Fausto, o senhor fez um pacto com algum demônio para escrever e obter sucesso?
EVM: Poderia
responder que sou o próprio demônio ou um deles, porém soaria com uma de minhas
tantas imposturas. Diria que ele está sempre sobre minha corcunda ditando
textos, porém consigo enganá-lo, assim como engano os leitores e
entrevistadores. Quanto ao sucesso, não o tenho. Sou, ao contrário do que
pensam, um escritor oculto, não de culto.
CNP: O suposto nome do narrador, Marcelo, é citado somente uma vez em
todo o romance, num diálogo com María Lima Mendes, por sinal, uma escritora
fictícia, uma das tantas invenções no inventário de escritores do Não. O velho,
solteiro, corcunda e calvo personagem tem realmente esse nome ou é mais uma
pista falsa do livro, uma “pegadinha” como se diz por aqui?
EVM: Marcelo significa “pequeno guerreiro”, vem da mesma
raiz de nomes como Márcio e Marcos, vem do deus Marte, deus da guerra na
mitologia romana, por isso relacionado ao sangue. Não à toa deram o nome de
Marte ao “planeta vermelho”, que recentemente recebeu uma visita aqui da
Terra. Mas acho que isso não responde à
pergunta. Como escreveu Blanchot, “a resposta é a infelicidade da pergunta”.
CNP: Em um dos
capítulos, o senhor menciona um escritor português, Manuel Torga. A tradução da
edição brasileira corrige para Miguel Torga. Errou o escritor ou erraram os
tradutores? Manuel Torga é mais uma de suas criações?
EVM: Desconheço essa correção, não me lembro de ter sido
consultado. Confesso, também, que não lembro o que escrevi. Entra, então, para
as pistas falsas do romance. Seria Manuel Torga um escritor real ou inventado?
Os tradutores são traidores ou coautores da obra?
CNP: Quando Bartleby e companhia foi escrito, no final do século passado, a internet ainda era um bebê de colo. Reeditado vinte anos depois, é uma obra que deve ser lida consultando se os autores realmente existem, assim como os livros mencionados e também se as citações são verdadeiras? Ou o leitor aproveita melhor o romance sem buscar essas informações?
EVM: Respondo a essa pergunta com uma citação do livro: “os
escritores do Não deixaram de escrever porque há muita informação no mundo. A
informação mata a literatura”. Sem trocadilho com o meu nome, por favor.
CNP: No Brasil, há
muitos mais escritores do que leitores. A síndrome de Bartleby não é mais um
bem do que um mal?
EVM: A pulsão negativa tem sim seu lado positivo. Paulo
Coelho, por exemplo, foi quem mais fez danos à literatura e não Joyce, como ele
afirmou. O que não significa que seus livros devam ser queimados, como fizeram
algumas pessoas aí no Brasil, ainda mais que o motivo são suas posições
políticas.
CNP: Romance
(“novela”, em espanhol), ensaio, diário, notas de rodapé, relatos. Todos esses
rótulos se encaixam na obra, mas acredito que a escolha por romance reivindica
o caráter híbrido desse gênero, que pode abarcar todos os tipos de textos. O
senhor é mestre nisso. Não é uma pergunta, é uma afirmação.
EVM: Obrigado, porém discordo do elogio. Ele me envaidece. E
não há nada mais perigoso que um escritor envaidecido. É seu pior defeito.
Assim como o convencimento, são sentimentos que deveriam ser abolidos da
literatura. Humildade faz bem. Só não me declaro ser humildade porque isso
também é falta de humildade.
CNP: “O que mais
admiro nele é que foi um grande impostor”, escreve seu personagem, o escritor
do Não Robert Deraim, sobre Marcel Duchamp (Marcel, Marcelo, hummmm). Quanto de
impostura há no romance? E nas respostas desta entrevista?
EVM: No romance, 100%. Nesta entrevista também. Acho que de ambas
as partes.
CNP: Depois de 20
anos, Bartleby e companhia poderia
ter novos acréscimos, quem sabe um segundo livro, Bartleby e outras companhias (com o perdão da audácia). O nossa
Raduan Nassar, por exemplo, seria um bom personagem. O senhor já pensou na
possibilidade?
EVM: Se há algo em que penso a todo o momento são nas
possibilidades. A literatura é a busca do possível, não há o impossível na literatura.
Quanto a um segundo Bartleby e companhia,
prefiro não escrever.
(Cassionei Niches
Petry é professor de Literatura. Criou o blog “Uma biblioteca na cabeça” e escreveu,
entre outras obras, os romances Relatos
póstumos de um suicida e Os óculos de
Paula.)
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