Um quadro e um espelho

 



Um ser sem sexo definido, mãos na cabeça sobre os ouvidos, solta um grito. Pensamos que está gritando porque o título da obra é “O grito”, de Edvard Munch, um quadro datado de 1893. Desespero? Medo? Angústia? Surpresa? Que sentimentos a obra sugere?

Ele está sobre uma ponte e, ao fundo, podemos ver duas pessoas paradas. Ou estão em movimento? Parecem vestir paletó ou sobretudo. “Quem são eles? Quem eles pensam que são?”, são questões de outra obra de arte, uma música dos Engenheiros do Hawaii, letra do Humberto Gessinger. Pois estaria o ser fugindo dessas pessoas? Ou elas estariam apenas observando, indiferentes, o sofrimento dele? Ou elas estão procurando ajudá-lo e ele não aceita, foge, cobre seus ouvidos e recusa a ajuda.

A ponte é uma ligação. Quando um muro separa, uma ponte une”, diz os versos de “Pesadelo”, canção de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós. Mas a figura grita justamente no meio da ponte. Estaria dividida entre estar sozinha, longe de tudo, ou grita por estar entre outras pessoas em um mundo assustador?

Bem ao fundo, em um lago ou rio, há pessoas andando de barco. Se for um lago, representa a imobilidade. Se for um rio, representa a mudança. Ou seja, deixamos as coisas como estão ou faremos de tudo para mudar a vida do nosso semelhante que está no desespero? Em outra leitura, a ponte seria a doca de Oslo Fjord, na Noruega, o que simbolizaria a imensidão dos nossos pensamentos (mar), sufocados pelas coisas externas (fiordes).

Vale ressaltar que o ser olha para o espectador, para aquele que está apreciando a obra, e grita como se pedisse ajuda. Apenas assistimos ao seu desespero. Em outra interpretação, ele nos olha espantados, como se dissesse “acorde, eu sou você, você não está se vendo? Olhe para trás, você também está correndo perigo, não fique parado, imobilizado como eu tenho que ficar!”

Devaneando um pouco mais, estaria o ser doente? Seria um ET e ao fundo os MIBs, homens de preto, tentando capturá-lo? Seria um fantasma? Ou estaria ele apavorado com a visão dos vultos na ponte?

Se lermos o que o próprio pintor tinha a dizer sobre sua obra, podemos fechar a questão. Escreveu no seu diário, em 22 de janeiro de 1892: "Uma noite, eu estava caminhando por um trajeto, a cidade estava de um lado e o fiorde abaixo. Eu me sentia cansado e doente. Parei e olhei para o fiorde - o sol estava se pondo e as nuvens ficando vermelhas como o sangue. Senti um grito passando pela natureza; pareceu-me ter ouvido o grito. Eu pintei este quadro, pintei as nuvens como sangue real. A cor gritou. Isso se tornou O grito."

No entanto, a ambiguidade do quadro provoca várias interpretações. A boa obra de arte assim deve ser, bem como deve nos faz refletir sobre a condição humana. Olhemo-nos, então, nesse espelho.

Cassionei Niches Petry – professor

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