Um diálogo sobre um Brasil sombrio
Jamais podemos ler a
obra de Santiago Nazarian sem ser surpreendido. Nenhum livro seu é igual
ao outro. O autor pode atacar com uma obra de terror, como em Neve negra (resenha sobre o livro aqui),
ou visitar temas históricos, porém flertando como o realismo mágico, como em Fé
no inferno (resenha aqui), só para citar os livros imediatamente anteriores a Veado assassino
(Companhia das Letras, 112 páginas).
No novo romance (na quarta
capa consta que é uma novela, talvez pelo número de páginas, mas é um termo que
no Brasil está muito associado à teledramaturgia e causa confusão, apesar de romance
também causar), Nazarian nos apresenta um longo diálogo, sem narrador, como se
fora uma peça teatral, com algumas poucas rubricas que são dispensáveis. Um adolescente
de dezesseis anos conta boa parte de sua vida a um interlocutor, que achamos
ser um psiquiatra. Ao que parece (e tudo no romance pode nos enganar), ele está
preso por ter assassinado o presidente do Brasil antes da campanha eleitoral de
2022. O protagonista, cujo nome é Renato, é gay, não binário ou simplesmente
veado como consta no título, pertence a uma família conservadora de Santa Catarina,
eleitora do político de extrema-direita, embora o pai seja negro e a mãe professora,
e ainda tem uma irmã transexual. Viciado em games, Renato vivia trancado em seu
quarto, tendo somente contato com outros jogadores de forma online.
O que o suposto
psiquiatra (ou seria um jornalista?) tenta saber são as motivações para o ato
que, claro, tem repercussão mundial. O jovem sofreu abusos quando criança ou
recentemente? O bullying na escola teria represado algum ódio no jovem? Algum
professor? Os jogos violentos da internet o influenciaram? O ódio do então primeiro
mandatário do país contra os homossexuais foi o motivo? Outras pessoas estariam
envolvidas ou seria um ato de um lobo (ou veado) solitário? Todas as questões do
entrevistador são provocativas, tentando arrancar de Renato aquilo que ele poderia
esconder, porém o interlocutor, na verdade, parece saber de tudo e querer só a confirmação.
Bom para o leitor, que faz especulações, tenta preencher as lacunas e completar
a narrativa aberta. Quase no final, quando a identidade do sujeito é revelada,
o leitor ainda se surpreende com a situação em que se encontra o jovem, trazendo
uma tragicidade para uma narrativa que tinha um tom zombeteiro.
Li o livro de uma
sentada (ops!) neste sábado de manhã, depois de ter lido as notícias da roubalheira
do ex-presidente extremista que, no mundo real, não foi assassinado por nenhum
jovem gay. Às vezes penso e anuncio que não vou escrever mais nada sobre livros,
porém leio romances provocativos como Veado assassino e o resenhista sai
das sombras. Que assim seja!
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