Sobre "Amanhã tardará", de Pedro Jucá



 “Lembro, Pedro, aqueles velhos dias” 

por Cassionei Niches Petry


Costumo viajar nas relações que faço ao ler um texto literário. Se vejo alguma abertura para isso, é claro. Ou seja, se a obra é aberta (Eco ecoa nas minhas leituras recentes). Percorro capa, epígrafe, dedicatórias, inclusive as dos autógrafos para ajudar a compreender o objeto de leitura.

É o caso de Amanhã tardará, de Pedro Jucá (Tusquets Editores). O autor me mandou o livro, se não me engano, através de sua agência literária. Ainda há quem reconheça este quase ex-crítico literário (se é que alguma vez o fui). Porém, ele fez questão de me deixar um autógrafo com dedicatória bem pessoal, como se eu estivesse ao lado de sua mesa em uma noite de lançamento do livro: “A Cassionei, para que sempre encontre um tempo de olhar para trás. Com carinho, Pedro.” 

Mal sabe ele que faço isso sempre, olhar para trás, mesmo sabendo o que aconteceu com Orfeu e Eurídice ou com a mulher de Lot. Justamente por causa dessa mirada, lembro que Pedro foi o nome do meu irmãozinho, que morreu no parto devido à imprudência de uma médica  obstetra. O nome também me remete à canção do Raul Seixas, em parceria com Paulo Coelho. Dizem que o amigo Pedro pode ter sido o pai do “mago best-seller” ou o irmão do “maluco beleza”. Para mim, é o meu irmão, quando ouço estes versos: “Pedro, onde cê vai eu também vou / mas tudo acaba onde começou”. O Pedrinho teve seu fim no começo. Ele não teve “um atrás” para olhar e nem um amanhã pela frente.

O romance do Pedro, o Jucá, é sobre família e de como ela nos marca, às vezes de forma negativa. Na página de dedicatória, ele dedica o livro “A minha mãe, meu pai e minha irmã, pelos desencontros do passado”. As epígrafes, retiradas das obras de Louise Glück, Giacomo Leopardi e Carlos Drummond de Andrade, mencionam memória, infância, irmãos, amor, morte, alma, corpo, temas que vão atravessar a obra.

O narrador é Marcelo, que retorna à casa materna depois de viver alguns anos fora. O primeiro capítulo é um primor, ao deixar em suspenso o que aconteceu no passado para ele ter ficado tanto tempo longe. O que fica nas entrelinhas é que houve um conflito, uma desavença que o separou da família. “Ela entrou em casa sem me abraçar”, diz o narrador ao reencontrar sua mãe, enquanto sua irmã “deu um empurrão em meu peito que quase me leva ao chão”. Seu pai, por sua vez, não deveria ser incomodado, pois “tinha tido uma noite difícil e ainda dormia”.

A história passa então a situar o leitor no passado do protagonista, desde a infância, passando pela relação com tios e avós, a descoberta da sexualidade, o carinho pelas sobrinhas, as provocações do cunhado, até o acontecimento trágico (depois de uma sucessão de conflitos) que interrompe o convívio familiar, intercalados por capítulos que retratam o seu retorno e a tentativa de reconciliação.

Contar muita coisa é estragar a fruição do leitor. Em Amanhã tardará, o não-dito é fundamental, porém, quando alguns fatos chocantes aparecem, nos são jogados na cara de forma pesada. Pedro Jucá, que estreou em 2022 com o livro de contos Coisa amor, em seu primeiro romance, lançado em 2024, mostra que veio para ficar.

Comentários

Anónimo disse…
que beleza de resenha, meu amigo. Mto obrigado pela leitura generosa!
Cassionei Petry disse…
Obrigado por comentar por aqui também. Abraço.

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