Sobre "Tudo o que fizemos", de Carlos André Moreira



 “Quem duvida da vida tem culpa”

por Cassionei Niches Petry


Carlos André Moreira foi durante um bom tempo crítico literário e editor de cadernos culturais do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, que na época ditava tendências no Rio Grande do Sul. Chegou, inclusive, a publicar alguns textos meus, levando este então jovem metido a resenhista a certo reconhecimento no meio literário gaúcho. Hoje, o jornalista escreve para sites, como o Matinal e o Sler, e produz conteúdos no canal Admirável Mundo Livro, no YouTube.

Em 2009, lançou seu primeiro e único romance até agora, Tudo o que fizemos, que a Editora Casa de Astérion reedita em 2025. Ambientado em uma cidade do interior, provavelmente São Gabriel, terra natal do autor, tem como personagens principais quatro adolescentes, estudantes do ensino médio, na época 2º grau, que resolvem roubar o sino que indica a mudança de horários da escola. Tudo acontece no início dos anos 90, em meio a mudanças na rede pública estadual de ensino, realizadas pelo então governador Alceu Collares.

O título do livro, retirado dos versos do Belchior e imortalizados pela voz de Elis Regina, nos remete a uma geração que tenta não repetir os erros da outra. Se nos anos 70, havia a ditadura sobre as cabeças do adulto e do jovem, no enredo do livro, recém havíamos saído do período opressivo. Sandro, Marcos, Caio e Getúlio querem, de certa forma, se rebelar contra o sistema, simbolizado no novo diretor que não foi escolhido pela comunidade escolar, mas sim pelo governador, em represália a uma greve de professores que havia durado meses. Acontece que o plano não ocorre como esperado, um deles é preso, e os outros, acusando os demais pela falha, tentam covardemente escapar e não serem descobertos. Sandro, o mentor intelectual, que acabou não indo praticar o delito, é quem de certa forma se sente mais culpado e ameaça se entregar.

Temos aqui indivíduos, jovens, quase adultos, que estão em momentos de descobertas, tanto políticas, quanto comportamentais, descobrindo “que as nuvens não eram de algodão”, para citar a canção cujo nome intitula uma das partes do romance, “Somos quem podemos ser”, dos Engenheiros do Hawaii, de cujos versos tomei de emprestado para esta resenha. Aliás, as citações das bandas da época, de certa forma, pegam este resenhista no lado emocional, assim como as cenas relativas aos poucos modos de se divertir dos jovens interioranos, entre elas, as junções na garagem ou na sala de casa: “As luzes foram reduzidas aos abajures espalhados pela sala. O pai de Lisi trouxe o três-em-um de volta para dentro; e o irmão, Guto, ficou responsável pelas fitas”. Sensação semelhante tive com a leitura de Mãos de cavalo, de Daniel Galera, paulista radicado no Rio Grande do Sul, ao ver a minha geração, do estado onde ainda vivo, sendo retratada.

A narração ocorre em 3ª pessoa, porém o foco narrativo vai mudando para cada um dos jovens e também recai em Paula, que tem papel importante no enredo. O vai e vem no tempo, tal o balançar do sino, nos mostra os antecedentes do “crime”, bem como as histórias pessoais de cada personagem e as origens familiares, nos revelando aos poucos quem eles são e as motivações individuais.

Um adendo à nova edição são as fotografias tiradas pelo próprio escritor na cidade onde nasceu, nos levando a confirmar que a história se passa justamente nesse lugar, onde no “frio de setembro as ruas são espaços vazios entregues aos cachorros sem dono”.


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