Sobre "O som que o machado faz ao sair da cabeça", de Gustavo Melo Czekster

 


O som que um conto faz ecoando na cabeça

por Cassionei Niches Petry


Este texto seria já de antemão para tecer elogios ao novo livro de um escritor que admiro muito, sobre o qual já escrevi outras resenhas (aqui e aqui) e, por isso, sei de sua qualidade. Além disso, ele teve a generosidade de escrever a orelha de um dos meus livros. A leitura estava ocorrendo bem, as anotações antecipavam loas ao autor, à sua capacidade de prender o leitor com narrativas envolventes até deixá-lo na beira do abismo, com os finais em suspenso, e de como ele se joga em temas que podem cair na pieguice. 

No entanto, um dos contos me deu raiva, muita raiva. O escritor porto-alegrense não poderia ter escrito essa história, que se passa na minha cidade, Santa Cruz do Sul, que ele reinventa como se fosse sua, criando mistérios e fantasmas que nunca existiram. Pelo que sei, o autor tem parentes ou amigos que vivem aqui. Isso, porém, não lhe dá esse direito. Ele contou uma história que eu deveria ter contado. Ele a roubou de mim. De que maneira, eu não sei. Como ele se antecipou a mim e teve a ideia primeiro? “Perder a alma em Santa Cruz do Sul” é o título do conto. Acho que ele vendeu a alma para escrevê-lo.

Então, entendi o título do livro, O som que o machado faz ao sair da cabeça. Foi como se o sujeito tivesse me dado uma machadada no crânio e depois arrancasse o instrumento com força. O conto ficou ecoando no meu cérebro. Meus ouvidos ficaram zunindo por dias. Não percorrerei mais as ruas da minha cidade da mesma forma, principalmente à noite. Fico, como o narrador, a imaginar “em qual quadra a punição me alcançará, em qual rua encontrarei meu fim”. 

Esqueci, por isso, os contos anteriores, toda a qualidade que eles têm. O lovecraftiano “Três minutos”; “O artista da surra” e suas cenas cheias de crueldade (“Tinham escutado os seus ossos quebrando, o som de unhas rasgando a pele, o estremecer da respiração alvejada por um soco…”), o fantástico “Meu amigo, o buraco negro”, em que um orifício na parede de um banheiro começa a sugar tudo que vê pela frente (“Por fim, quando não restar mais nada no mundo, ele se lembrará do único amigo.”); a homenagem a Caio Fernando Abreu em “A história ainda não acabou”. E os contos que vieram depois já não mereceram uma leitura atenta. Não pude usufruí-los como deveria, talvez por isso minha avaliação deles tenha sido injustamente negativa. O terror infanto juvenil em “Prosopopeia” e o relato em forma de ata sobre como castrar um indivíduo me decepcionaram, assim como o conto que traz um “Demônio Cupim” no Theatro São Pedro.

Corto (com um machado?), a partir de hoje, minhas relações de amizade literária com Gustavo Melo Czekster, o nome do sujeito que me roubou não só um conto tão bom, mas também a vontade de escrever. Peço ainda que o editor da Zouk, responsável pela publicação de O som que o machado faz ao sair da cabeça, não me dê mais livros de cortesia, até porque nem mesmo resenhas irei produzir (ando perdendo a mão para escrevê-las e as que escrevo ninguém lê, então, é uma boa desculpa para encerrar as atividades). Ao contrário do machado de Kafka, o machado de Czekster me congelou.

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