Pedro Eiras no Traçando Livros
Com algumas modificações e acréscimos, o texto "Lendo para morrer", que publiquei esses dia por aqui, foi o escolhido para a minha coluna quinzenal "Traçando Livros", no jornal Gazeta do Sul. Na sexta-feira, com a disponibilidade da versão em PDF, posto uma imagem melhor da página.
Lendo para morrer
Cassionei Niches Petry
O título não cabe nos 140 caracteres do twitter: Pequeno divertimento sobre literatura em cem lições, também conhecido sob
o título Substâncias Perigosas em que se explica por que meios os livros matam
os seus leitores & onde se dão variados e mui instrutivos exemplos ao
alcance do comum dos mortais. Seu
autor, o português Pedro Eiras, é poeta, dramaturgo e professor de Literatura.
Ainda não li todo o livro (Ensaio? Romance? Crônica? Manual? Impossível
classificá-lo), publicado no Brasil pela editora Casa da Palavra, e não
pretendo terminá-lo tão cedo. Estou degustando-o aos poucos, com medo de morrer
depois da leitura, pois em suas páginas está escrito: “Alguns
livros convidam a matar. Outros, ao suicídio. Outros ainda, mais sutis,
limitam-se a relativizar a morte – meio caminho para morrer. Todos são
substâncias perigosas, como os medicamentos. Só deveriam poder ser comprados
com receita médica ou atestado de robustez intelectual.”
Sim, os livros são perigosos. Cuidado com eles. Melhor
dizendo, os bons são perigosos. Aqueles que nos incomodam, nos dizem verdades
que não queremos ler. “Todos os livros, de algum modo, são errados”, escreve
Eiras. “Porque nos desencaminham, isto é, fazem com que erremos o caminho, com
que caiamos nos atalhos perigosos.” Os ruins dizem as verdades que queremos que
sejam verdades, mas que não passam de mentiras que nos confortam. “O universo
conspira a nosso favor”, disse um desses escrevinhadores. Ora, sabemos que não
é assim. Tudo conspira contra nós. Só os mais afortunados podem dizer o
contrário. Os demais precisam se mexer muito para obter algo a seu favor e
mesmo assim não alcançam os objetivos.
A boa literatura, não custa repetir, é a que nos deixa com
mais dúvidas, não a que nos dá respostas. Mostra quem somos, não quem
desejaríamos ser. Expõe nossa mediocridade, nossas feridas, nossas angústias,
nossas decepções e nos fazem pensar. Literatura ruim não nos faz pensar porque
não dá espaço para isso. As respostas vêm prontas, embaladas e bonitas, tudo ao
gosto do freguês. Por isso vende mais. Quantidade não é sinônimo de qualidade.
Nem tudo que é muito lido, ouvido ou assistido é bom. “E os livros que não nos
desencaminham, que não são errados – bem, para que perdemos tempo a lê-los?”
“TODO O LIVRO PROCURA A SUA VÍTIMA”, escreve Pedro Eiras,
assim mesmo, em letras garrafais. No momento, Substâncias Perigosas me encontrou. Posso ser sua vítima. Mas vou
adiar o máximo possível que ele provoque a minha morte ou que me incite ao
suicídio. “Há mais glória em avançar e recuar casas do que em terminar o jogo”,
afirma o autor, se referindo a uma atividade lúdica surgida na Idade Média e
que é uma metáfora para a morte e à leitura. Enquanto jogo/leio, vou me
desviando do caminho que me levará à indesejada das gentes.
Cassionei Niches Petry
é escritor e mestrando em Letras, com bolsa do CNPq. Autor de Arranhões e
outras feridas (Editora Multifoco), livro que também pode matar o leitor . Escreve
quinzenalmente para o Mix e mantém o blog cassionei.blogspot.com.
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