No Traçando Livros de hoje
Minha coluna no Traçando livros de hoje, jornal Gazeta do Sul, traz um texto que já havia publicado por aqui. Segue mais uma vez:
http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/395657-por_que_lemos_pouco/edicao:2011-10-04.html
Cena de Persona, de Ingmar Bergman
Por que
lemos pouco?
Discutir a questão da leitura é perda de tempo,
apesar de necessário. Todos pensam que só pelo fato de serem leitores já podem
sair por aí opinando. Claro que todos temos esse direito. Porém, não significa
que possuímos os conhecimentos necessários para tanto. Ninguém o tem, nem mesmo
este escriba.
“Como assim?”, pergunta Seu Cláudio, advogado que
neste momento deve estar lendo esta crônica no seu escritório repleto de
livros; ou Dona Maria, professora aposentada que trabalhou a vida toda como
professora de Língua Portuguesa e conhece muito bem o assunto. Explico.
Cada indivíduo tem uma experiência sobre o mundo
dos livros distinta. O editor e o escritor profissional analisam os números de
livros vendidos e afirma que o brasileiro lê muito pouco. O professor
decepciona-se com seus alunos que não retiram livros na biblioteca e, por
conseguinte, afirma que não gostam de ler. O jornalista pesquisa sobre o
assunto e, a partir das estatísticas de vendas e depoimentos de especialistas,
diz que o preço do livro e a escola são os responsáveis por lermos tão pouco. O
leitor comum então pergunta: “mas como o __________ (preencha o espaço com o
nome de algum escritor mais vendido) é tão rico?”, “como explicar que o Padre
___________ (complete com o padre popstar
de sua preferência) vende milhões de exemplares?” e “como tem tanta gente na
lista de espera da biblioteca municipal para retirar o único exemplar
disponível de __________ (preencha com o best-seller do momento)?”
Sim, meus caros. Há leitores e há leitores. Há
livros e há livros. Há escritores e há escritores. Ora, não podemos dizer que o
brasileiro não lê. Mas podemos dizer que ele não lê a literatura propriamente
dita, que consiste em livros em que há um trabalho artístico com as palavras e
uma reflexão mais elaborada, sendo por isso considerados chatos pelo leitor
comum, aquele que busca apenas entretenimento ou ensinamentos empacotados.
Também não são os números de vendas que vão mensurar isso, até porque um
exemplar de um livro pode ter milhares de leitores que o retiram de uma
biblioteca, sem contar em outros milhares que são compartilhados pela internet.
Ou seja, não há tão poucos leitores como se pensa.
O preço também não pode ser uma justificativa para
a falta de leitura. Ele apenas impede a possibilidade de termos uma biblioteca
particular, no que somos salvos pelos sebos. Além disso, o livro tem o mesmo
valor do que um CD. É um fator, portanto, que interessa só a quem lucra com
isso.
O que me incomoda, porém, é colocar a escola como
culpada pelo suposto fracasso da leitura no país (ok, admito que há esse
fracasso, afinal vejo poucas pessoas lendo em um ônibus ou mencionando livros
nas redes sociais). Dizem que o professor, ao obrigar o aluno a ler, está
afastando-o dos livros, pior ainda quando se trata daquelas “coisas chatas” do
século XVIII e XIX que são solicitadas no vestibular.
A escola, em muitos lugares, é onde há a única
biblioteca disponível para a população. Só aí poderíamos isentá-la de culpa.
Além disso, a criança aprende a ter prazer com a leitura com as professoras do
currículo e contadoras de histórias que visitam os educandários. No entanto,
quando entram na adolescência, os alunos passam a ter outros interesses que o deixam
distante da leitura. O professor pode até dar a liberdade para retirarem o que
quiserem na biblioteca escolar, mas eles não a aproveitam (preciso dizer que há
exceções?). Então, o mestre se vê obrigado a obrigar a leitura. Como toda a
proposta vinda do professor é de antemão rechaçada pelo aluno, ele vai achar
chato e não vai querer ler.
Qual a função do professor de literatura, afinal?
Acredito que ele deve ensinar que muitos livros, mesmo sendo “chatos”, fazem
parte de um período histórico e cultural e são importantes. A escola não deve
esconder o que a humanidade produziu só porque não teria mais nada a dizer ao
jovem de hoje. É um erro pensar dessa forma.
Se isto afasta o indivíduo, é porque ele não tem nenhuma tendência para
gostar de ler.
A leitura é
uma aptidão individual, que se desenvolve em quem tem acesso a uma variedade de
obras e a um ambiente cultural dentro da própria casa. Se o brasileiro não lê,
não é porque a leitura é chata, é porque a sociedade, os amigos e inclusive
formadores de opinião acham a Literatura (com L maiúsculo) maçante. Isso só
contribui para aumentar nossa pobreza intelectual.
Cassionei Niches Petry é
professor e escritor. Publicou Arranhões e outras feridas (Editora
Multifoco) e recentemente concluiu o Mestrado em Letras pela Unisc. Escreve
quinzenalmente para o Mix e mantém um blog: cassionei.blogspot.com.
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