Ser professor
Escolher a profissão
ou ser escolhido por ela? Mesmo sendo absurda a segunda hipótese, é esta a que
tem a ver comigo, de forma figurada, logicamente. Alguns chamam isso de vocação,
chamado, missão, destino, dom, etc. Porém, evitando uma conotação religiosa ou
mística, chamo de “o inevitável”.
Há coisas que não podemos
evitar. O nascer do sol, por exemplo, ou um amanhecer com chuva justamente no
dia de um piquenique com os alunos. Não podemos evitar o som alto do vizinho,
salvo se usarmos um protetor auricular ou nos mudarmos para um sítio longe do
turbilhão da cidade. Não podemos evitar o riso ao assistir no cinema a uma boa
comédia ou o choro ao saber da perda de um familiar.
São coisas que simplesmente
acontecem. É o processo da vida, é a natureza no seu curso. Por isso aquele
jovem que gostava de ler, de escrever e de brincar de escolinha com os primos e
amigos de infância seguiu um caminho inevitável. Se gostava de literatura e
queria ser escritor, por que não dar aulas de literatura? Se gostava do texto, da
palavra, por que não lecionar língua portuguesa? Se gostava dos livros do argentino
Julio Cortázar, por que não ser professor de língua espanhola?
Ele poderia ter sido
marceneiro, seguindo a carreira do seu pai. Poderia ter entrado na faculdade de
administração e seria talvez o gerente na empresa em que cumpriu seu primeiro
emprego de carteira assinada. Poderia seguir a carreira musical. Poderia ter sido
goleiro. Foi inevitável, no entanto, ser professor.
Há momentos em que
me sinto arrependido por ter sido escolhido por essa profissão e ter aceitado.
Quando nos empenhamos, por exemplo, em realizar uma aula diferente, pensando em
estratégias, textos diferentes e maneiras diversas de ministrar as aulas, e
mesmo assim ainda percebemos o desprezo no rosto de alguns alunos. Há uma
resistência muito grande por parte de muitos jovens em construir conhecimento e
veem no professor uma pessoa que está ali apenas para atrapalhar a sua vida,
interromper sua troca de mensagens no celular, sua conversa sobre a balada da
noite anterior ou, imaginem, mandar tirar os fones de ouvido, deixando de apreciar
sua música favorita, que deveria ser escutada somente naquele exato momento.
Somos uns estraga-prazeres, os professores.
Entretanto, fico
feliz se vejo um aluno levando a sério a minha fala, se pergunta, faz cara não
de desprezo, mas de curiosidade. Tento me agarrar nesses alunos que valorizam
nosso trabalho, que nos veem como aliados na construção do conhecimento, que,
mesmo não gostando da nossa aula, respeitam o que estamos fazendo. Que são, em
suma, humanos. Mas também não desisto dos outros, afinal, a presença deles
também é inevitável. Tento conquistá-los, me descabelo, subo em cima da mesa
como o professor John Keating do filme “Sociedade dos mortos”, leio poesias,
interpreto personagens, conto piadas sem graça. Se não consigo a atenção
necessária, fico frustrado, o que também é inevitável.
Por que sou professor?
Recorro a Moacir Gadotti: “A resposta talvez possa ser encontrada numa mensagem
deixada por um prisioneiro de campo de concentração nazista na qual, depois de
viver todos os horrores da Guerra – ‘crianças envenenadas por médicos
diplomados; recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas; mulheres e bebês
fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades’ – ele pede aos
professores que ‘ajudem seus alunos a tornarem-se humanos’, simplesmente
humanos. E termina: ‘ler, escrever e aritmética só são importantes para fazer
nossas crianças mais humanas’.” Não é somente isso que me move, mas é um bom
começo.
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