"Suícidios literários" no Traçando Livros de hoje
Minha coluna de hoje traz um texto sobre o suicídio, um dos temas que, como meus 3 leitores já sabem, me persegue. Na verdade fiz uns cortes num ensaio maior que pode ser lido na íntegra aqui, clicando em PDF.
Versão do site do jornal, somente para assinantes até semana que vem: http://grupogaz.com.br/gazetadosul/noticia/429546-suicidios_literarios/edicao:2013-10-30.html
Suicídios literários
Enquanto refletimos sobre o suicídio, não o cometemos. Esse
assunto me persegue há anos, desde que um numerólogo, em uma palestra na escola
de ensino médio onde estudava, me disse que eu fora um suicida em uma de minhas
vidas passadas. Apesar de ser descrente em tudo o que se refere ao além, a
ideia – como no personagem machadiano Brás Cubas – pendurou-se no trapézio do
meu cérebro e “entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas
cabriolas.” Como não quero seguir o destino do meu suposto antigo corpo – e nem
mesmo tenho vontade de fazer isso –, leio e reflito sobre a morte voluntária,
ao analisar obras literárias em que o tema está presente. Assim, vou driblando
uma das formas da “indesejada das gentes”.
A maioria das pessoas, de certa forma, já pensou na
possibilidade de tirar a própria vida, umas até por brincadeira, outras, porém,
levando muito a sério. Como escreveu Albert Camus, em O mito de Sísifo, “todos os homens sadios já pensaram no seu
próprio suicídio alguma vez”. O tema é um tabu, não só no âmbito religioso, mas
em toda a sociedade. Matar-se também é tema da literatura, a qual, como arte,
mais precisamente a arte da palavra, expressa os sentimentos humanos. Não é à
toa que os suicidas quase sempre deixam algo escrito, seja um bilhete, uma
carta, uma página de diário ou recados em sites
de relacionamento na internet,
explicando seus motivos ou pedindo perdão aos que ficam. Muitos escritores,
inclusive, optaram por esse ato extremo. O suicídio e a palavra andam juntos.
O senso comum diz que o suicídio é quase sempre uma atitude
de quem está desesperado, seja por motivos amorosos, seja por motivos
financeiros. Há, no entanto, outras respostas para o ato, que envolvem
explicações relacionadas ao conhecimento. A filosofia, por exemplo. Albert
Camus, na abertura do ensaio que abre o livro O mito de Sísifo, afirma: “Só
existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida
vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia”. A
pergunta essencial, claro, é qual o sentido da vida. Mas será que a literatura
pode ajudar-nos a respondê-la?
Muitos clássicos literários abordaram o tema, como Anna Karenina, de Tolstói, e Romeu e Julieta, de Shakespeare. O livro
mais emblemático talvez seja Os
sofrimentos do jovem Werther, de Goethe. O destino do protagonista provocou
uma onda de suicídios na Europa do século XVIII, época do romantismo, quando,
segundo A. Alvarez, em seu estudo O deus
selvagem, “o suicídio se tornou um ato literário, um gesto histérico de
solidariedade, para com qualquer herói ficcional que fosse a coqueluche do
momento”.
A fuga desse mundo cruel é vista por muitos como covardia,
opinião com a qual até podemos concordar, tendo em vista os motivos nem sempre
convincentes de quem comete o último ato. Fugir dos problemas não é a solução,
muito menos fugir para o além. Uma desilusão amorosa, por exemplo, pode ser
solucionada por uma nova ilusão, que manterá na pessoa o desejo de viver, ou ao
menos adia a morte voluntária.
Debruçou-se também sobre essa árida matéria o espanhol
Enrique Vila-Matas, em Suicídios
exemplares. São contos que têm como ligação as tentativas dos personagens
de tirarem a própria vida. Tentativas, no entanto, frustradas. No primeiro
conto, o narrador nos conceitua a morte voluntária: “um movimento solitário,
afastado de todos os olhares, perpetrado na sombra e no silêncio.” Quando
projeta “saltar no vazio”, porém, muda de ideia ao contemplar a beleza do lugar
escolhido. Como o título do volume sugere, os suicídios que não se concretizam
é que devem servir como exemplo. Pensar sobre o suicídio é uma maneira de
pensar sobre a própria vida. E, no momento que a vida é o foco de nossa
atenção, tudo o mais pode ser esquecido.
Se a literatura pode responder qual o sentido da vida, não
sabemos. Tampouco achamos respostas para o suicídio na literatura. Talvez não
ter respostas seja o sentido disso tudo, ainda mais se a continuarmos buscando.
Se pararmos de buscar o conhecimento, aí sim a vida deixa de ter sentido. Adiar
a resposta definitiva, buscar respostas diferentes, fazer novas perguntas:
todas são formas de continuar vivendo.
Cassionei
Niches Petry é professor, mestre em Letras e escritor. Publicou Arranhões e
outras feridas (Editora Multifoco). Escreve regularmente para o Mix e mantém
um blog, cassionei.blogspot.com.
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