O que comemora o ateu no Natal?
Quando era cristão,
o Natal era uma das melhores épocas do ano para mim. Não, não era por causa dos
presentes, pois ganhava muito pouco. Gostava do clima, das músicas, dos
enfeites e presépio que minha avó fazia, da comilança, da reunião da família,
dos Papais Noéis que apareciam na vizinhança (desde os de barba postiça
passando pelos mascarados), contanto que não me perseguissem com uma varinha
para me lanhar as pernas. Também não faltava às missas natalinas na paróquia a
que pertencia.
Para o ateu que sou
agora, no entanto, esse período é um inferno. Quando tu sabes que essa data não
te diz mais nada, não te representa mais, tudo se torna um estorvo. É duro ser
obrigado a ouvir cantilenas melosas que exaltam um deus que nasce e vai morrer
daqui a alguns meses. É chato ter que responder a um Feliz Natal, receber
mensagens exaltando a festa cristã e desejando que o menino Jesus te ilumine.
Isso tudo é chato e constrangedor. No entanto, tu não queres ser chato também e
retribui a boa vontade da outra pessoa, que pensa estar te agradando. Pior
ainda quando ela sabe que tu não acreditas em nada do que está sendo
comemorado, mas faz questão de te dizer “mesmo assim o deus menino está contigo,
um dia tu vais descobrir”. Sei.
O ateu poderia fazer
descer das prateleiras de seu cérebro as leituras que fez sobre os mitos que
deram origem a essa data. Poderia dizer que outras crenças consideradas pagãs e
que existiam bem antes do cristianismo celebravam o período próximo ao solstício
de inverno no hemisfério norte e reverenciavam outros deuses. Na Roma antiga, a
celebração era em honra a Saturno, deus da agricultura e da justiça. Para os
persas, o deus Mitra, que representava justamente a luz solar, também teria
nascido nessa época e é celebrado (aliás, consta que há muitas semelhanças nas
histórias relacionadas a esse deus antigo com os relatos que dão conta da vida
de Jesus Cristo). Os chineses, por sua vez, chamavam esse período de dong zhi, que significa “a chegada do
Inverno”. Porém, o cristianismo, séculos depois, adaptou essas antigas celebrações,
escondendo seu real significado e impondo o seu como o verdadeiro.
O ateu vai se abster
de dizer tudo isso, pois sabe que não adianta. Todos os anos ele vai continuar
ouvindo a mesma história, vai ser obrigado a engolir os rituais, a tolerar a
chatice da data, a ter que dizer obrigado a uma felicitação que não lhe diz
nada, a ver sua casa enfeitada com motivos natalinos, pois a esposa é cristã, a
ver tudo e todos a seu redor fazendo referências a um indivíduo que
supostamente teria nascido de uma mãe virgem para salvar o mundo do pecado.
Como o ateu vive
essa data, então? No meu caso, acompanho todas as festas desse período com meus
familiares como se fosse outra reunião de família qualquer e tolero as crenças
deles. No geral, inclusive, o ateu é mais tolerante que a maioria dos cristãos
que não aceita quem não tenha deus no coração. Aproveito os pratos
tradicionais, dou e recebo presentes, mas não participo de amigo secreto ou
celebrações exclusivamente religiosas. Adoro ver o Papai Noel e, principalmente,
o encanto das crianças ao ver o bom velhinho (que devido ao politicamente correto
abandonou sua vara de marmelo). É uma das fantasias que precisamos para aguentar
as dificuldades da vida real. É uma personagem de ficção que, por ser mais verossímil
e encantadora, ganha mais espaço do que outra personagem ficcional, que já não
convence mais tanto, o tal de Jesus.
Comentários
Boas festas!
Me faz uma visita:http://mardeletras2010.blogspot.com.br/2013/12/tudo-que-e-solido.html
Boas festas pra ti também.