Traçando Livros sobre "O drible", de Sérgio Rodrigues
Minha coluna no jornal Gazeta do Sul traz um comentário sobre um dos grandes romances de 2013.
http://www.grupogaz.com.br/gazetadosul/noticia/433983-um_romance_padrao_fifa/edicao:2014-02-05.html
http://www.grupogaz.com.br/gazetadosul/noticia/433983-um_romance_padrao_fifa/edicao:2014-02-05.html
Um romance padrão Fifa
Procurando lances do
Pelé na internet, me deparei com um vídeo mostrando os piores momentos do gênio
do futebol na partida contra o Uruguai na Copa de 70. Um desavisado poderia
dizer que aquele era um dos piores jogadores do mundo. Eram, porém, momentos
ruins selecionados de um jogo em que, entre outros lances que resultaram na
vitória da Seleção, Pelé foi protagonista de um quase gol, depois de driblar
apenas com o corpo o goleiro Mazurkiewicz, chutando depois a bola para fora,
raspando a trave. É a descrição desse lance que abre magistralmente O
drible, de Sérgio Rodrigues (Companhia das Letras, 224 páginas). “Pelé
desafiou Deus e perdeu. Imagine se não perdesse. Se não perdesse, nunca mais
que a humanidade dormia tranquila”.
O
romance tem com um dos protagonistas Murilo Filho, grande cronista esportivo do
Rio de Janeiro nas décadas de 60 e 70, que conheceu de perto os bastidores do
futebol, principalmente o carioca. Velho, no fim da vida e esquecido, se
refugia num sítio para escrever uma biografia sobre um grande jogador que,
segundo ele, seria maior que Pelé. Trata-se de Peralvo, que conheceu ainda
criança e que tinha certos poderes mediúnicos, além de ser um craque da bola, e
que deveria ter sido convocado para a Copa do Mundo de 1966. O filho de Murilo,
o Neto, é um revisor de livros de autoajuda e foi músico de uma extinta banda
de rock do anos 80, daquelas de um hit só. Rompido com o pai, não o via há
anos. Decidem se reaproximar e, através de histórias do futebol, suas histórias
pessoais são contadas, chegando a um final que surpreende, o maior drible do
enredo.
Uma ficção sobre futebol, mas também
sobre a relação tensa entre pai e filho, que assistem a vídeos de partidas
antigas ou pescam e conversam sobre os craques, enquanto que no jogo da vida
travam uma disputa acirrada. Neto tenta entender o suicídio de sua mãe e os
motivos que fizeram com seu pai não o tratasse como deveria durante sua
infância. Há também interessantes discussões sobre a política brasileira
durante a ditadura, bem como a questão do racismo no futebol, a partir de
menções ao livro O negro no futebol
brasileiro, do jornalista Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues e que dá
nome ao Maracanã: “O Mário conta como o futebol vai se
abrasileirando à medida que o século XX avança e os bugres e crioulos começam a
ser admitidos dentro dos clubes. Esmiúça de forma brilhante o processo social
cheio de conflitos que acabou dando na invenção de uma nova gramática, uma nova
sintaxe. Aquilo que o Pasolini chamou de futebol-poesia em oposição ao
futebol-prosa dos ingleses.”.
Há
um momento da história em que Murilo mostra ao filho um vídeo do jogo entre
Brasil e França, na Copa de 58, com 10 minutos em que nada de importante
acontece. São lances sem brilho, que não resultam em gol. O romance de Sérgio
Rodrigues parece não ter nenhum momento assim. É um jogo em que cada segundo é
importante, cada jogada resulta em gol ou bola na trave, cada drible nos torna
Joões de um Mané Garrincha. Drible da vaca, meia-lua, caneta, la boba, elástico,
pedalada e, por fim, O drible acerta o
chute no ângulo.
Cassionei Niches
Petry é professor, mestre em Letras e escritor. Publicou Arranhões e outras feridas (Editora Multifoco).
Escreve regularmente para o Mix e mantém um blog, cassionei.blogspot.com. Quando
criança, sonhava em ser goleiro da Seleção Brasileira.
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