Saudade de ser “professor” de Filosofia
Já fui professor de
Filosofia, mesmo sem ter formação. Na rede pública de ensino é assim: o governo
não nomeia profissionais para algumas disciplinas e os professores são convidados
a assumirem as aulas, até para poderem preencher sua carga horária. Quando
entrei no magistério, há 10 anos, comecei trabalhando Literatura e Português,
em que sou habilitado, mas também lecionei Sociologia, Ensino Religioso (sim,
um ateu fazendo isso), Educação Artística (e eu nem desenhar sei) e Filosofia.
Num determinado ano, fui professor de História também. E quando a Língua
Espanhola entrou para o currículo, sobrou para mim, mas nesse caso sou
habilitado.
Me saí muito bem
como professor de Filosofia, diga-se. Quando houve oportunidade, assumi todas
as aulas do Ensino Médio nessa disciplina. Me tornei “o filósofo” da escola. Muitos
alunos nem sabiam que eu também era professor de Literatura. Em algumas turmas,
lecionei as duas matérias, porém uma aluna me disse, ao final do 3º ano,
emocionada ao nos despedirmos, que jamais iria esquecer o que aprendeu, e
acrescentou: eu era melhor professor de Filosofia do que de Literatura!
Muitos momentos em
sala de aula foram marcantes. Conseguia fazer a gurizada refletir, questionar,
ter dúvidas, pensar. Algumas vezes iniciei os trabalhos entrando com uma caixa
de sapato fechada, mas com um buraco do lado. Os alunos ficaram durante toda a
aula perguntando qual seu conteúdo. Somente no final eu revelava. Era uma forma
de atiçar a curiosidade para o que íamos estudar. O que havia, você está perguntando,
caro leitor? Não responderei. Vou deixá-lo na dúvida.
Uma vez levei uma pedra
grande para a sala, para discutirmos a essência, o ato e a potência das coisas,
de acordo com Aristóteles; outra vez enfileirei sobre as classes as cadeiras
com diferentes formatos que havia no ambiente para discutirmos o mundo das
aparências e o mundo das ideias de Platão; ouvíamos músicas de rock cujas
letras discutiam questões filosóficas, como as dos Engenheiros do Hawaii, Pitty,
Titãs, Rush, etc; dizia que os alunos na chamada eram apenas números e
pontinhos que deveriam ser marcados para ganhar presença e aquele que faltava
era marcado com um “F”, ou seja, era maior que o ponto: quem falta ocupa mais
nosso tempo do que quem está presente, era a reflexão a ser feita; escrevia a frase
ou o aforismo do dia no quadro e aí de mim se esquecesse disso; enfim, filosofamos
sobre tudo, até sobre o ponto de interrogação ser parecido com uma orelha, um
anzol ou a metade de um desenho de um coração.
Quando eu me despedi
da escola, os alunos de uma das turmas organizaram um momento inesquecível.
Além das mensagens de praxe, recebi uma camiseta com assinaturas deles e um cubo
mágico feito de papel. Eu deveria adivinhar o que havia escrito dentro dele antes
de abri-lo. Me emocionei muito nesse momento, eu que só falava sobre a razão.
Comprovei que eles aprenderam. Tudo o que foi ensinado, pelo que foi
demonstrado ali, ficou marcado na vida deles para sempre. E na minha também.
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