O mais do mesmo do vampiro
Um escritor vampiro,
um vampiro escritor. Quando ele morde o pescoço de um leitor, este vai adorá-lo
incondicionalmente para o resto da vida. Não só o leitor comum, como também o
editor, o crítico, o resenhista, o repórter do caderno cultural de algum
jornal. Não importa se ele esteja apenas repetindo ad infinitum o que escreveu nas décadas passadas. Para as suas
vítimas, ele nunca erra a mão.
Dalton Trevisan é
considerado um dos nossos maiores contistas, ao lado do Rubem Fonseca, do Luiz
Vilela, do Sérgio Santa’Anna, da Lygia Fagundes Telles e (complete com o seu
favorito). Ele é realmente, não resta dúvida. Tudo que escreveu de bom,
entretanto, foi até os anos 70, no máximo nos anos 80. Depois disso, apenas
repetiu personagens e foi cada vez mais fazendo menos: menos palavras, menos
histórias, menos brilho. Para piorar, revisa todas as reedições de seus bons
contos com o intuito de enxugá-los, tirando os adornos, deixando apenas o dito
essencial. As editoras reeditam os mesmos contos em livros diferentes, o que às
vezes nem é notado pelos seus seguidores fiéis, afinal, é tudo a mesma coisa
mesmo.
Seus discípulos, no
entanto, mordidos pelo vampiro, que acabou de completar 90 anos, consideram que
o mestre está certo, ele é brilhante na sua concisão, é impecável na construção
de seus joões e marias, é inovador ao reescrever a própria obra. Ele é mesmo o
melhor.
O último trabalho
considerado inédito é o volume Beijo na
nuca. Tente ler o primeiro conto, “A mão na pena”, e resumir o enredo. Não
há enredo. Se não há enredo, não há história e se não há história não há conto.
O que é esse texto então? Aforismo, reflexão filosófica, prosa poética? É-nos
vendido como conto. É, no entanto, apenas uma carta de um apaixonado (“Daí
escrevo-lhe estas mal traçadas linhas.”) para aquela que o deixou. Nada mais do
que isso. Uma linguagem simples, algumas frases geniais, dignas do velho
Trevisan (“Hoje que lanço a mão na pena, me diga se você já sentiu a picada de
uma abelha-de-fogo. O beijo fatal na nuca.”) e é só. O que vai acontecer com os
dois. Vai aqui aquele velho clichê de que o leitor deve construir o final?
No segundo “conto”,
intitulado “Um dia”, um homem olha na janela o dia, o sol, as árvores e as
flores e depois, e depois... nada. Nada. Não acontece nada. Como poesia em
prosa, podemos reavaliar a crítica. A ficha catalográfica nos diz: conto
brasileiro. Eu espero ler um conto, um miniconto que seja, pois nisso o Dalton
Trevisan também já foi mestre. Mas não é. Estou mesmo decepcionado.
O terceiro texto,
“Sinbad”, é lindo, maravilhoso. Não é, porém, conto. Estou sendo chato por
querer uma classificação para o que vou ler, nesses tempos de pós-modernidade?
Não sou contra experimentações linguísticas, afinal literatura é arte e arte é
também experimentar, sair do mesmo. Vendam o texto, então, como tal. Não chamem
de conto o que não é conto. Conto é narrativa e se vou ler uma narrativa espero
uma narrativa.
Os demais “contos”
seguem o mesmo diapasão. O mais do mesmo que é o menos continua. Mas sabe como
é, vampiro é vampiro e, lá pelo sexto ou sétimo título começo a sentir um bafo
na nuca. Alguns contos fazem efeito. Antes do beijo, fecho o livro e procuro na
estante um antigo do autor, “Novelas nada exemplares”, numa edição ainda pouco
fatiada. Leio e confirmo: o antigo vampiro era bem melhor!
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