Ode a Fernando Brant, ode aos criadores
Fernando Brant,
grande letrista da MPB, morreu no dia 12 de junho, Dia dos Namorados. Talvez um
casal deva ter namorado alguma vez ao som de “Coisas da vida”: “O amor enfim ficou
senhor de mim/E eu fiquei assim,/Calado sem latim/Coisas
da vida.” No entanto, esse casal não deve ter lamentado a perda do
compositor porque talvez nunca tenha ouvido falar dele e ligava a música
somente à voz de Milton Nascimento, também autor da canção (um gênio vivo, bem
vivo, porém esquecido pelo grande público).
A pouca
repercussão da morte de Fernando Brant nos mostra o desprezo que se dá aos
criadores. As letras de Brant são cantadas por quase todos os brasileiros, no
entanto, poucos o conheciam. Esse gênio das palavras foi quem escreveu
"Bola de meia, bola de gude" (“Há um menino/Há um moleque/Morando sempre no meu coração/Toda
vez que o adulto balança/Ele vem pra me dar a mão”), "Maria,
Maria" (“Mas é preciso ter força/É preciso ter raça/É preciso ter
gana sempre”), "Encontros e despedidas" (“Todos os dias é um
vai-e-vem/A vida se repete na estação/Tem gente que chega pra
ficar/Tem gente que vai/Pra nunca mais...”),
"Travessia" (“Quando você foi embora fez-se noite em meu viver/Forte eu sou,
mas não tem jeito/Hoje eu tenho que chorar”), “Paisagem da janela”
(“Mensageiro natural de coisas naturais/Quando eu falava dessas cores
mórbidas/Quando eu falava desses homens sórdidos/Quando eu falava
desse temporal/Você não escutou”), “Nos bailes da vida” (“Com a
roupa encharcada e a alma repleta de chão/Todo artista tem de ir
aonde o povo está”) e tantas outras letras cantadas pelo Milton Nascimento e pela banda
14 Bis.
Aqueles que
criam, na literatura, na música, em todas as artes, deveriam ser mais valorizados.
O que se vê, no entanto, é a exaltação da reprodução e da cópia. O cantor é a estrela
solitária; o ator é o gênio que interpreta a personagem elaborada pelo
dramaturgo; na universidade, o autor de um artigo de 12 páginas sobre uma obra
literária recebe mais pontuação nas avaliações do que o próprio escritor da
obra analisada, que tem 200 páginas.
Bernardo Vilhena, você conhece? Não? Mas já
teve ter cantado os versos de “Vida louca vida”, que fez em parceria com o
Lobão. Vítor Martins? Também não? Esses versos, porém, você deve conhecer: “Começar de novo e
contar comigo/Vai valer a pena ter amanhecido”. E Ronaldo Bastos?
E Paulo César Pinheiro? Poderia citar dezenas de grandes letristas que fazem o
trabalho quietos, em seus cantos, criando, jogando, brincando com as palavras.
“Canção da
América" é uma das mais conhecidas de Fernando Brant e ganhou ainda mais repercussão
quando morreu o ídolo do esporte Ayrton Senna, que dizia ser fã da música. Os
versos “Amigo
é coisa para se guardar/Debaixo de sete chaves/Dentro do coração/Assim
falava a canção que na América ouvi” estouraram e hoje ilustram
homenagens e simbolizam a amizade, mas também podem representar o esquecimento
daqueles que mereciam ser lembrados. “Mesmo que o tempo e a distância digam ‘não’/Mesmo
esquecendo a canção/O que importa é ouvir/A voz que vem do coração.”
A voz do meu coração me pede para não esquecer, me pede para reverenciar, me pede
para lembrar as pessoas para que não se esqueçam dos criadores. Não esqueçam
aqueles que tiram do nada algo para preencher nossas vidas.
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